Bruna - Eu preferia que você fosse para casa

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─ Bruna, eu preferia que você fosse para casa, comesse alguma coisa e tentasse descansar. – O Delegado Talleires era um senhor de meia idade gordinho, baixinho, barbudo e gentil. – Mas, infelizmente, o tempo vale muito nesses casos...

─ Não tem problema, Delegado. – Funguei. Engolindo um pouco do choro. – O que eu puder fazer para colaborar, eu farei...

Outro funcionário, talvez um escrivão, bateu na porta da sala onde eu iria prestar meu depoimento. Doutor Talleires fez um sinal para que entrasse.

─ A família do rapaz está aí. Quer falar com o senhor.

─ Você se importa? – Ele perguntou para mim.

─ De jeito nenhum.

─ Pode mandar entrar. – Deu a ordem.

Dona Débora estava em frangalhos. Parecia ter envelhecido dez anos. Os cabelos, sempre muito arrumados, estavam soltos e desalinhados. Os olhos inchados de tanto chorar. Estava péssima. Eu não deveria em condições melhores.

Passou por mim como se eu nem existisse. Sentou-se em frente a ele. E começou a fazer perguntas. Se já tinham notícias. Se encontraram os carros. Se já havia suspeitos.

─ Você está bem, Bruna? – Seu Vitório pôs a mão em meu ombro. Foi tão carinhoso que comecei a chorar copiosamente. O pai de Kadu me abraçou e a escrivã me ofereceu um copo de água com açúcar.

─ O carro da moça foi encontrado na cidade vizinha sem maiores avarias. – Delegado Talleires respondeu. – Quanto a notícias e suspeitos, nós íamos justamente começar o depoimento da Bruna, mas acho que não será possível. Ela ainda está em choque.

Só então Dona Débora se deu ao trabalho de olhar para mim. Soltava fogo pelas ventas. Eu me ajeitei na cadeira e engoli o choro.

─ Eu vou falar agora... – Recuperei o ânimo.

Então eu contei tudo. Desde nossa briga no dia anterior até a conversa no pátio da escola. Estimei o tempo que passamos em cada lugar. A descrição batia com as imagens no vídeo.

─ Bruna, você não ouviu nada? Nada que possa fazer alguma diferença? Dar alguma pista. – O delegado me perguntou.

Eu não podia ajudar. Ninguém falou nada. Estavam muito bem ensaiados. Enquanto um apagava Carlos Eduardo, outro me amordaçava e me prendia no porta-malas. Ouvi o barulho dos pneus de outro carro partindo. Depois, aumentaram o som do meu carro. Começamos a rodar e rodar. E eu também apaguei.

─ Vocês foram totalmente irresponsáveis, Bruna! – Dona Débora, que se manteve calada durante o depoimento, finalmente abria a boca. – Ficar de namoricos no centro da cidade... Sabendo quem ele é... – Eu sabia que ela estava nervosa. Mesmo assim, sua raiva me magoava, como se eu tivesse culpa de alguma coisa. – Eu sabia, eu sempre soube que algo assim ia acontecer... Desde que meu filho começou a namorar você, eu...

─ Chega, Débora! – Seu Vitório interveio. – A menina não tem culpa de nada. Ela foi ameaçada, amordaçada, está toda machucada. Passou por coisas terríveis. E você não para com esse seu ciumezinho de mãe. – Usava um tom de voz severo. – Aqui não é lugar para isso! Se continuar, eu vou tirar você desta sala.

Comecei a chorar novamente. Principalmente, porque eu me sentia culpada de verdade. Pensei mil vezes dentro daquele carro, durante as voltas sem fim, o que poderíamos ter feito de diferente para que aquilo não tivesse acontecido. Não cheguei à conclusão nenhuma. Se eu não tivesse ido buscar Kadu, aconteceria a mesma coisa com o táxi. Mas alguma coisa dentro de mim ainda me dizia que eu tinha culpa. E as palavras de Dona Déboa só reforçavam esse sentimento.

─ É melhor todo mundo se acalmar mesmo. – O Delegado Talleires me passou uma caixa de lenços de papel. – Vou precisar que todos vocês façam um esforço de memória, tentem associar informações relevantes da rotina nos últimos dias, ligações, ameaças, até uma correspondência diferente... Qualquer pista que nos dê um direcionamento é válida.

─ Meu filho nunca sofreu ameaças. Ele sempre foi um bom garoto! – Respondeu Dona Débora. – Bom. Pelo menos, nunca recebera. Não antes de namorar essa artista.

A palavra artista fez com que uma luz iluminasse meus pensamentos. E eu senti vergonha. Muita vergonha. Mais lágrimas caíram pelo meu rosto. O almoço de sábado. A revista com Carlos Eduardo na capa. As perguntas frequentes sobre a rotina dele. Sobre o carro dele. Estava tudo muito claro na minha frente. A culpa era mesmo minha.

8,

Por Onde AndeiOnde histórias criam vida. Descubra agora