Daniel, pensando se tratar de alguma emergência na lanchonete, ou mesmo de algum capricho do Seu Osvaldo, ergueu o pulso e checou o celular sem demora. De repente, deu-se conta de que ainda estava em serviço, e que sua obrigação com Carolina deveria ter acabado havia muito tempo.
Enquanto lia a mensagem, Carolina se voltou para o balcão do porteiro. Atrás dele se encontrava um painel de LCD, que estava fixo à parede, próximo ao teto. Nele se exibiam as horas, a temperatura, a previsão do tempo e uma breve descrição de todos os aposentos do prédio.
De acordo com ele, o escritório da imobiliária ficava no 1° andar, enquanto o audiovisual ficava no 2°. Eram 09:12 e 20°C, com previsão de chuva para o final da tarde.
Carolina quis saber as horas, embora não tivesse pressa em subir ao audiovisual. Não se importava em aparecer atrasada por lá. No que dizia respeito aos compromissos daquela sexta-feira, perder quinze ou vinte minutos era irrelevante.
Estava mais preocupada com Daniel. Após vê-lo conferir sua mensagem, percebeu que estava o segurando ali, impedindo-o de voltar ao trabalho. Esqueceu que ele, no momento, também tinha um expediente a cumprir.
Como já tinham passado dez minutos desde que se encontraram, resolveu dizer:
— É melhor você voltar. Se continuarmos nessa conversa fiada, Seu Osvaldo cortará meu próximo bônus, só pra estragar nosso barato, e também pra te vigiar de perto.
— Tarde demais: essa coruja já pousou no meu ombro faz muito tempo.
— Ops. Meus sentimentos, meu pobre poleiro assalariado.
— Bem, antes uma coruja piando em meu ombro do que um tucano roubando em meu bolso. Não era assim que falavam antigamente?
— Sim, durante a guerra civil de 2022. Fico feliz de não ter vivido naquela época.
— Nem me fala! Pitboys linchadores malucos. Mas a mensagem não é do Seu Osvaldo. É do presidente do sindicato.
— O futuro candidato a prefeito?
— Na verdade, o eterno descontente com os vereadores.
— Ah sim. Não foi ele quem protestou numa sessão da câmara, jogando um tênis contra a mesa executiva?
— Foi, mas era uma chuteira, não um tênis. E estava encardida de barro.
— Eu lembro disto. Mencionei o assunto no meu vlog, muito tempo atrás. A guarda municipal até agradeceu pela confusão, porque conseguiu estrear suas luvas de eletrochoque.
— Agradeceu a agilidade da equipe médica em reanimar seu coração, logo após sofrer uma parada cardíaca com as descargas elétricas, isso sim.
— Bem, sabe como é: policiais aborrecidos e alta voltagem na ponta dos dedos são uma combinação diabética para qualquer Black Bloc. Jamais será saudável.
Daniel desdobrou a manga da camisa, puxando-a de volta até o pulso, cobrindo tanto o bracelete quanto o celular. Então, sem aviso, adotou uma postura séria, emburrada, bem menos receptiva.
E embora estivesse na frente de Carolina, não fez esforço para lhe esconder o novo humor. Suas mãos foram levadas até a cintura, e seu lábio se torceu numa careta desgostosa.
Carolina, percebendo a transformação, perguntou desconfiada:
— O que foi? O presidente te ofendeu na mensagem?
— Não. Só está me chamando de volta. Daqui a quinze minutos, teremos uma reunião com todos os funcionários da lanchonete.
— Reunião com o sindicato? Agora? Pensei que essas coisas só aconteciam depois do expediente.
— Sim.
— Mas ainda são 09:15. O expediente mal começou.
— É exatamente o que me preocupa.
— ...
Outro bip anunciou uma nova mensagem de texto. Desta vez, vinha do celular de Carolina.
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O vlog de Carolina e o feriado antecipado no calçadão
HumorQuando Carolina se tornou vlogueira, ela ainda acreditava no poder da honestidade. Achava que isto sempre falaria mais alto, independente da situação. Porém, ela acabou subestimando o maior vilão deste país: a agressividade da opinião pública brasil...