Lembro-me bem de minhas últimas palavras antes de deixá-lo partir para sempre: Eu amo você, Luís.
Ele estava sentado no banco da praça central, observando os pombos como de praxe, esperando-me paciente antes de coletar forças para dizer que deveria partir, pois seu destino chamava-o com urgência.
Desculpa clichê em minha opinião. Mas fiquei inerte, pensando o que havia feito de errado.
Vasculhei as mais remotas lembranças, culpando-me firmemente por ter uma memória absorta e sofrer com os olhares e sorrisos que aceiravam os meus sonhos. Ele fora, com certeza, o homem da minha vida.
Ou pelo menos, achara que fora.
Em meio aos devaneios, percebi com um esforço muito grande que ele era o príncipe encantado que eu havia inventado após anos de busca pela pessoa perfeita. Afinal, eu era apenas uma jovem truã procurando a felicidade como todos, em todo lugar.
Inocente, encantei-me prontamente por aqueles olhos castanhos e as palavras dulcificadas feito chocolate.
Enganei-me por dois longos anos, acreditando cegamente que finalmente havia encontrado o ser humano certo, compatível.
Como não percebi que tanto esmero poderia levar-me à ruína? Por fim, ninguém é perfeito. Tola.
Sinto-me cansada por sempre me doar inteiramente e acabar assolada e sozinha.
Mesmo depois de muitas horas de busca por todo meu cérebro cansado e amarrotado, não consigo encontrar minha infração.
Então a culpa é dele?
Sozinha, naquela mesma praça onde ele havia me deixado, as pessoas abraçavam o frio, felizes com suas famílias, enquanto eu morria taxativamente. Torturando-me com imagens frescas de quem havia me deixado para trás, para viver as aventuras que a vida pode oferecer quando se tem apenas vinte e três anos.
Quando adentrei meu apartamento naquela tarde mais fria que o normal, pude ver resquícios nítidos de que não havia mais vida ali.
Ludibriei-me com imagens vãs das roupas de Luís jogadas no chão, como sempre, como nunca... Sentei-me na cadeira álgida e esperei.
Mas o que, exatamente, eu estava esperando?
Ele não vai voltar afinal.
A casa nunca fora tão silenciosa.
Quando peguei, com cuidado, o meu celular ordeiro, observei cansadamente a foto, a maldita foto que preenchia a tela acesa do meu aparelho. Pressionei-o contra o balcão sujo de achocolatado deixado certamente por Luís, meu querido.
Deitei-me na cama frígida, com os dois pés colados um ao outro, com as mãos juntas e a cabeça recostada no travesseiro azul de acordo com o arranjo do quarto.
Não consigo parar de pensar enfim.
Sou fiel. Sou companheira. Sou delicada e doce. Sou perita e inteligente. Sou legal. Sou envolvente e abarcada - bom, pelo menos é o que dizem. Por que ele foi embora? Não consigo compreender, não desta vez.
Precisava encontrar algo: eu queria sentir culpa.
Deixei minha cama com o intuito de localizar detritos pelo apartamento antes jovial. Caminhei impaciente por todos os cômodos, pisando firme e sorrindo amargamente, imaginando um equívoco.
Joguei os móveis no chão, tirei todas as roupas do armário, louças, poucas. Tudo estava fora do seu carecido lugar.
Quase me rendi. Mas passando os olhos por todo o apartamento, consegui avistar um pedaço de papel rasgado por cima de uma mesinha a qual não havia dado importância durante a procura por pistas.
Não era um bilhete. Era uma carta. Para ser mais exata, uma carta rasgada; O que me fez imaginar várias ações entre e pós-escrita. Ele se arrependeu de alguma forma? Estava confuso? Talvez. Ou apenas estava cansado demais para procurar um papel decente - Luís sendo Luís.
"Corri" para perto da mesa e estive insegura por apenas cinco segundos. Minha curiosidade era maior, claro. Quando abri o papel dobrado indelicadamente, deparei-me com sua letra borrada e quase ilegível.
Anastásia.
Tenho em mente não dar explicações concretas - pelo menos não pessoalmente. Eu sei que se parasse para explicar a razão você não me deixaria partir e me acharia ainda mais doido. É. O motivo não é plausível - bom, foi o que todos me disseram. Mas eu discordo, como já deve ter percebido. Você é perfeita demais. Isso me sufoca, me cansa. Eu sei, parece ridículo, mas além de não me sentir bom o suficiente, preciso respirar. Não estou pronto para viver ao seu lado por toda a vida sabendo que você será sempre compreensiva, linda, delicada, inteligente, tudo o que eu sempre sonhei, e nunca vou me sentir satisfatório. Eu achei que no começo você agia assim para me impressionar, mas mudaria com o tempo e eu poderia soltar o ar. Não sei se está entendendo. Eu, simplesmente, não consigo me sentir à vontade do seu lado. É como se eu tivesse que ser perfeito também, para te acompanhar, sei lá. Mas eu não sou! Preciso de uma pessoa que erre.Eu amei você, sério. Mas meu cérebro não funciona ao lado de tanto encanto. Sinto muito.
Com amor, Luís.
Eu não sabia que o sufocava tanto. Por que ele nunca me disse nada? Talvez estejamos errados. Faltou diálogo, faltou sintonia. Afinal, ele não se sentia à vontade.
Sozinha. De novo.
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Com Todo Meu Amor (Conto)
Short StoryTemos dores e insatisfações, basta você escolher o que quer sentir e fazer com todo esse problema. Todos nós temos nossas efetivações. A minha era encontrar alguém que "escolhesse" me amar. Evelin Taís - ET