A liberdade nem sempre está onde se espera.
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Gustavo levantou do banco para alongar as pernas e os braços. Antes de voltar a sentar, observou o movimento de ônibus e pessoas que entravam e saíam da rodoviária. O terminal de Cabo Frio sempre lhe parecia pequeno — um pequeno confortável, familiar, feito a sala de estar de um parente do interior.
Fazia quase duas horas que esperava Heitor. Saltou do ônibus de manhã, sentou naquele banco e, quando a bateria do celular ficou no vermelho, tentou voltar a ler o livro que trouxe na mochila. "O Senhor das Moscas" de William Golding. Depois de algumas páginas o sono o impediu de continuar e ele guardou o livro.
Todo fim de ano depois do natal Gustavo passava o restante das férias na casa de Heitor, e o pai sempre se atrasava para buscá-lo na rodoviária. Mesmo quando ele mentia e informava um horário mais cedo, Heitor dava um jeito de chegar atrasado. Na única vez que Gustavo desistiu de esperar e pegou um táxi, o pai ficou tão aborrecido que não falou direito com ele pelo resto do dia antes de voltar ao normal.
A razão dos atrasos variava: na maioria das vezes, era porque ele bebia em excesso e não conseguia acordar a tempo.
Pelo menos ele não dirige bêbado, pensou Gustavo. Só de ressaca. Não estava exatamente aborrecido por ter que esperar. Fazia tempo que se resignara ao fato de que era assim que o pai funcionava, e sua capacidade de ficar verdadeiramente ressentido com ele também já tinha se esgotado.
Gustavo tratava Heitor como uma força da natureza. Algo com que se acostuma e se lida — não algo que se busca mudar. Como o vento ou a chuva. Uma chuva que cheirava a álcool, e que encharcava independente do tamanho do guarda-chuva.
Assim era Heitor.
Duas horas de espera. A bateria do celular no vermelho incomodava Gustavo. Além de não poder usar o aparelho para se distrair, se a bateria acabasse ele não poderia saber do pai. E saber do pai envolvia duas possibilidades diferentes: uma ligação do próprio, ou uma ligação de outra pessoa, para avisar que tinha acontecido alguma coisa com ele.
Uma parte de Gustavo sempre estava preparada para receber alguma ligação sinistra. Imaginava o número do pai aparecendo na tela junto da foto que tiraram na praia quatro anos antes, ambos sorridentes e cheios de areia na cara. Atenderia, mas a voz do outro lado da linha não seria a dele. Seria a de um conhecido, informando que Heitor estava no hospital. Teria batido com o carro ou algum outro acidente comumente relacionado ao alcoolismo.
Não seria para avisar de alguma briga ou desentendimento, isso não. Apesar das peculiaridades, Heitor era o homem mais bem-intencionado que Gustavo conhecia. O que, de certa forma, tornava tudo mais difícil. Se Heitor fosse um bêbado desagradável seria simples se afastar totalmente dele. Mas era gente boa. Por mais que costumasse errar e estragar tudo, Gustavo sempre encontrava uma forma de perdoá-lo.
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Esquadrão Ventania
Teen FictionGustavo sempre passa as férias de verão com o pai em Cabo Frio. Mas dessa vez as coisas tomam um rumo diferente do que ele está acostumado.