De mulher para mulher

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       Lorie suspirou e cruzou os braços. Ela parecia procurar por onde começar. Eu esperei que ela organizasse seus pensamentos.
        _ O que eu preciso saber, agora que sou mulher?
       Complicado. Ela foi criada por homens. Acho que não sabia quase nada.
        _ Se tornar mulher quer dizer que seu corpo está pronto para gerar uma nova vida. Então, você vai menstruar. Vou te ensinar a escolher os absorventes. Fora isso, não muda nada. A fase adulta é a parte da reprodução. Voltada aos relacionamentos. Também vem as responsabilidades. Trabalhar, pagar as contas. Escolher sua profissão. Comprar uma casa, ou apartamento. Carro, moto. Por que é uma era consumista. Você descobre que o mundo não é o lugar lindo que você imaginava. Começa a ver toda a merda, toda a maldade, todas as coisas erradas, que acontecem todos os dias.
      _ Muito animador.
      _ Espere até você sangrar a primeira vez. As cólicas, o enjoo. A dor de cabeça... ah, verdade. Nós somos vampiras agora. O desconforto não existe.
      Ela riu e observou o céu.
      _ E os relacionamentos? Como eu sei que estou apaixonada?
      _ Essas coisas são muito pessoais. Você vai pensar nele o tempo todo. Vai sentir seu coração acelerar. Só de estar perto, você já estará feliz. Vai imaginar o que ele está fazendo. E quando ele te abraçar, você irá se arrepiar. Vai querer ficar em seus braços para sempre.
      _ É assim que se sente com Nicolae?
      _ Sim. Eu sinto falta de abraçar ele. Estar com ele. Ver ele sorrindo para mim. Não sabe o quanto doeu, ver ele chorando. Quando você ama, prefere sofrer, do que ver seu amado sofrendo. Mas, tem uma coisa. A gente não escolhe por quem vai se apaixonar. Pode ser que você não goste de Peter dessa forma.
       Ela ergueu as sobrancelhas.
       _ Isso não será problema. Ele é o mais próximo de mim.
       _ Drogo era o mais próximo de mim. Mas, eu espero que dê tudo certo para você. Vá com calma.
       _ Eu vou ter cuidado. Agora me diga... Como foi que esse bebê foi parar aí?
       Meu rosto esquentou. Essa é uma conversa de mãe e filha. Um assunto muito constrangedor.
       _ Vamos comprar um livro de romance. Tudo que você precisa aprender sobre relacionamento, você aprende nesses livros.
       _ É tão difícil assim me dizer?... Tudo bem. Vou ler. Espero que esclareça, mesmo.
        _ Você vai entender que não é fácil falar sobre isso.
        Ela apenas suspirou. Seus olhos se tornaram tristes.
         _ Sabe qual foi o pior momento nesses anos todos?
         _ qual?
         _ Quando veio a outra babá humana. Peter se apaixonou por ela. E eu pensei que nunca poderia cumprir a missão. Vê-la perto dele era difícil. E ela também se tornou amiga da Osborne. Tão próxima, que achei que teríamos que aguentar, ter a bruxa visitando a mansão. Quando ela foi ferida e se recusou a virar vampira, para continuar viva, eu comemorei em segredo. Mas, isso só fez Peter odiar ainda mais, sua condição de vampiro. Porém, era uma nova chance para mim. Não posso falhar. Não quero decepcionar Viktor.
       _ Estou aqui. Se precisar.
       Ela sorriu.
       _ Obrigada. Me sinto segura, com você aqui.
       _ Vamos voltar?_eu disse.
       _ Antes eu quero os livros. E essas coisas que mulheres usam.
       Eu ri. A menina má precisava de um tempo sozinha. Aos poucos ela ia entender.
       

******* 

 
      Quando entramos em casa, os rapazes vieram até nós. Encarando Lorie e minha barriga.
       _ O que foi?_ perguntei.
       _ Lorie, explica o que aconteceu._ disse Peter.
       Ela foi subindo a escada, com as compras. Peter e Drogo foram atrás.
       _ Lívia, você não pode ficar andando de moto. A partir de agora, eu te levo nas consultas, de carro.
       _ E você vai agir como se nada tivesse acontecido? Como se estivesse tudo bem entre nós, Nicolae? Não chega perto de mim. Vai que está planejando a próxima tortura. Vou esperar o quê, de um Judas.
       Fui andando até a escada. Viktor entrou na frente.
       _ Quero saber como foi a consulta.
       _ Fique longe dela e do meu filho.
       _ Nicolae já chega. Você me odeia, ela não. E quem dá as ordens aqui, sou eu.
       Esperei essa disputa acabar.
       _ Fique tranquilo. Fiz ele apagar os rastros do meu sangue.
       _ Lívia, eu confio em você. Só me diz como foi.
       _ Ele fez um exame de sangue. _ entreguei o exame para o Viktor. _ Estou bem. E parece tudo normal com o bebê.
       Viktor olhou para o exame.
        _ É só o que importa. Que tudo esteja bem. Preciso me reunir com os originais. Vou me ausentar para preparar o nosso exército. Ele não fará mal a você. Já que está nesse estado. Cuide das coisas para mim. E ajude Lorie.
        _ Pode deixar.
       Ele segurou meu rosto entre as mãos, para dar um beijo na minha testa.
       _ De todas as minhas criações, você foi a que mais sofreu, depois de se tornar vampira. E no entanto, você não se odeia. Nem odeia os vampiros. Também, é grata a mim. E vai ser a primeira a trazer um membro ao clã, da maneira natural. Com laços de sangue. Eu te agradeço por isso. Por mostrar que eu não estava errado. Que não somos uma existência amaldiçoada.
       Ele me abraçou. Eu correspondi. Depois ele encarou Nicolae e saiu.
       Ficou o silêncio entre nós dois. Tantas coisas ruins aconteceram. Um filho não restaura um relacionamento destruído. Se acabou, acabou.
      _ Você deve ter muita mágoa de mim. Das escolhas que eu fiz. De tudo que você sofreu. Deve estar ainda mais magoada, por que nosso bebê sofreu junto. Você não imagina o quanto eu me arrependo.
       _ Só porquê estou grávida. Você não reconhece que fez errado, mesmo que fosse só eu. Admito que não deveria ter levado Drogo e Lorie para beber sangue humano. Eu só quis dar a chance de escolherem, o que queriam. E eu tinha total controle sobre isso. Mas, passei por cima de suas regras. Peço desculpas. Porém, me jogar no porão foi demais. Com ou sem a fobia. Você exagerou.
       _ Eu fiquei com raiva, decepcionado. Pensando que você estava seguindo o Viktor e jogando meu irmão contra mim. Pensei que te forçar a seguir minhas regras, resolveria. Aí veio a Natasha...
       _ E por ser humana, mesmo sendo bruxa, era mais importante que eu. Por isso, você preferiu me machucar, do que arriscar a vida dela. Já que por sua causa, eu estava sem controle.
      _ Eu não podia te libertar, sem você aceitar o nosso jeito. Estava esperando você beber o sangue que deixei para você.
      _ Me conhece tão pouco, que nem sabe, como foi que desenvolvi essa fobia e o quanto piorou a situação, você colocar aquele sangue ali.
      Ele me encarou confuso.
      _ Para me salvar, o Viktor me levou para beber sangue humano. Eu estava tão mal, com a mente tão dilacerada, que eu nem sequer me lembro disso. Uma hora eu estava no porão. Na outra eu estava cercada por vocês. E no entanto, você me odiou por ter matado humanos. Incluindo, a amiga bruxa da Natasha. E por isso, me entregou como um sacrifício, para as bruxas. Não vou me desculpar por algo que eu nem lembro, de ter feito. Mesmo que tenha sido assim, você entregou ao inimigo um membro do seu clã. Sua traição, não tem perdão. Assim, como não tem perdão, eu matar os humanos.
      _ Eu queria evitar a guerra.
      _ Você sempre me descartou fácil de mais. Me diga, em algum momento, você realmente se apaixonou por mim? Ou foi só para me fazer seguir suas regras? Amor igual o seu, nem eu, nem meu filho, precisamos. Vai que você resolve nos entregar de novo ao inimigo, se disserem que o bebê é um monstro.
      Na expressão dele eu vi dor, culpa, remorso. Mas, não vi o arrependimento que eu precisava ver. 
      _ Vou proteger o meu bebê. Mesmo que a ameaça, seja você. _ eu disse.
      Passei por ele, o entregando o exame e a foto do ultrassom. Fui para a escada, subindo de vagar.
      _ Sabe o que mais dói? Eu te amei de verdade. Eu fui sincera. Eu não esperava, que você fosse tão cruel. E que seu amor fosse mentira. Você me acusou de te manipular, quando foi você, que me manipulou o tempo todo. Acho que me apaixonei por uma ilusão que eu criei de você.
      Continuei subindo para o meu quarto. Ele estava encarando a foto. Pensei ter visto ele sorrir. E sussurrar... "meu filho". E meu coração doeu. Queria tanto, poder abraça-lo e comemorar com ele a vinda do "nosso filho". Segurei o impulso de correr aos seus braços e continuei subindo a escada. Me sentia estranhamente sozinha.
       Passei pelo quarto da Lorie, que ainda estava explicando, como ela bloqueou seu crescimento e liberou na hora certa. Drogo ria, se divertindo com a expressão emburrada dela. Que era cômica, agora que ela cresceu. Peter olhava fascinado, como se observasse uma nova melodia composta, por um gênio.
       Fui para o meu quarto. Os morceguinhos estavam ali na árvore. Abri a janela observando eles. Um arrepio me fez ficar alerta. Ouvi um som, que parecia o rosnado de um cachorro. Vi os olhos brilhantes, no meio da escuridão. E então, ele se aproximou. Era um lobo. Lindo. Pêlos fartos, bem escuro. Os olhos castanhos, brilhavam. Eu que amava animais, fiquei encantada. Não pude deixar de sorrir para ele. Que inclinou a cabeça, parecendo confuso. Depois se afastou de vagar e eu escutei o seu uivo.
      Continuei olhando pela janela. Os morcegos estavam agitados na árvore. Não havia mais sinal do lobo.
      Fui afastada da janela bruscamente. Ouvi ela sendo fechada e a cortina também. A luz do abajur mantinha a claridade que eu precisava.
      _ Mas, o quê...
      _ Fique longe da janela. 
      Olhei surpresa, para Nicolae.
      _ O que está acontecendo?
      Ele olhou entre a cortina, depois veio para o meu lado. Me olhou de cima à baixo.
      _ Tem uma coisa que você não sabe... _ ele passou a mão pelo cabelo. _ Enquanto Natasha estava aqui, ela disse que um professor parecia saber muito sobre o universo sobrenatural. Mais do que um professor saberia. Que ele ficava rondando ela. Depois, ela disse que havia um lobo andando pela nossa propriedade. No nosso território... Esse professor... É um lobisomem. Sebastian Jones.
      _ Mas, era só um lobo. Não um lobisomem. Pelo menos, eu vi só um lobo.
      _ Você viu? Ele esteve aqui?
      _ Foi só um lobo.
      Ele estava muito agitado.
      _ Era um lobisomem. Droga, não posso deixá-la sozinha.
      _ Lobisomens não são criaturas híbridas, de humano e lobo? Com aparências assustadoras?
       _ Na hora da batalha. São criaturas, sem qualquer raciocínio. Guiadas pelo instinto. Mais fera, do que humano. No dia a dia, ninguém quer abrir mão da capacidade de pensar.
       _ Então, nossos rivais estão na área? Pensei que íamos enfrentar só as bruxas. Assim, complica.
       _ Não vai acontecer nada com vocês. Eu vou te proteger.
       Um silêncio chocado ficou entre nós. Ele se aproximou. Eu não desviei os olhos. Não me mexi.
       _ Muita coisa aconteceu. Estamos magoados. Cometemos erros imperdoáveis. Mas, existe alguém que não tem culpa. E precisa de nós dois. É preciso duas pessoas para fazer um filho. E essas mesmas duas pessoas, para criar esse filho. Ele é nossa responsabilidade. Como um casal ou não, precisamos fazer isso juntos.
       Ele se ajoelhou na minha frente. Levantou minha blusa e beijou minha barriga. Depois encostou a testa.
       _ O papai errou. A mamãe está magoada. Mas, nosso filhinho não tem culpa. Aconteça o que acontecer, você terá nós dois. Eu sei que foi uma surpresa. Mas, foi muito bem vinda.
       Meu coração estava acelerado e eu não pude conter as lágrimas. Emocionada. Apesar de tudo. Aquela cena podia facilmente se encaixar no relacionamento perfeito, que um dia eu quis.
      Ele levantou. Fez um carinho no meu rosto e me abraçou. Eu chorei. Ele não disse nada. Só afagou meu cabelo.
     Quando enfim, me acalmei. Ergui os olhos para encara-lo.
     _ Vamos fazer isso juntos. Mas, eu ainda não consigo, confiar em você. E não sei, se você consegue confiar em mim.
      _ A princípio, vamos ser apenas pais dessa criança. Se podemos ser um casal de novo... Com o tempo vamos saber.
      Ele segurou meu rosto entre as mãos e encostou a boca na minha. Só um carinho.
       _ Durma bem. Boa noite.
       _ Boa noite._ respondi.
       Ele saiu, deixando a porta aberta. Eu afastei as cortinas. Deitei na cama observando a luz do abajur. O que eu faria? Eu estava magoada, com medo, insegura. Mas, ainda o amava. Como resolver essa situação? Como confiar nele de novo? Não havia opção. Era só esperar que o tempo, trouxesse as respostas.
     
    

      

Is It Love? Nicolae - Laços de Sangue.Onde histórias criam vida. Descubra agora