Ele chorava invisível

- E aí, balde de banha – disse Matheus, dando um tapa na barriga do garoto que acabou de chegar.

Enzo não responde, apenas apertou o passo pra chegar logo à sala de aula, evitando esbarrar com mais alguns daqueles garotos. Não obteve sucesso, pois encontrou Pedro no corredor, recebendo dele um tapa.

- Os faróis estão ligados, rolha de poço. – E todos que presenciaram a cena começaram a rir e zombar do garoto.

Enzo finalmente alcança a sala, onde foi se sentar em um canto ao fundo, como de costume. Baixou sua cabeça sobre a carteira, porque o peso da realidade era grande lá dentro. Somente quando a professora entrou, Enzo recuperou a postura.

- Muito bem 5º ano, hoje iremos fazer atividades de números e expressões – disse a professora. Porém algo lhe tirou a atenção e não foi para Enzo que a professora desviou o olhar.

Havia um diferencia na rotina de Enzo. Uma aluna nova. Não era bonita; ao contrário: Era feia, dentuça, tinha o cabelo ressecado e sua magreza era excessiva. Ao percebê-la a professora pergunta o seu nome. Desajeitada e nervosa ela respondeu, mas por sua voz e sotaque ser diferente, os seus colegas de classe zombaram Dela. Seus dentes saltavam para fora impedindo que ela pronunciasse de forma correta.

A sala caiu em gargalhos, até mesmo Enzo, que não costumava rir quando seus amigos faziam.

- Por favor, turma, que falta de respeito! Advertiu a professora.

- Imagina se ela caísse ali, expressou-se Enzo apontando para um entulhado de pneus. Com esses dentes iria estourar os pneus.

Surpresos com a atitude do garoto, a maioria da turma fica em silêncio, e a outra metade dá um sorriso meio bobo que cessa ao agir da professora.

Mesmo diante de tudo, Júlia ainda tenta se aproximar de Enzo, mas sempre era surpreendida com seus xingamentos inapropriados. Enzo não parecia mais o garoto que sofria e se escondia ao ser xingado por seus amigos de classe. O tempo fez dias, semanas e meses passarem. E Júlia recusava-se até a olhar para ele. Os colegas não perderam tempo para começar as zombarias ao acharem que aquilo tudo era um romance entre a dentuça e o baleião, apelido que deram ao novo casalzinho.

A aula de Educação Física estava começando quando Enzo em voz alta diz: - Se afasta daí dentuça, com esses dentões, se você cair, pode arruinar nosso circuito inteiro.

Dessa vez, a piada animou mais aos outros alunos, arrancando-lhes risadas. Então o professor deteu Enzo e o levou para à diretoria. O superior deu uma bronca no garoto e transmitiu um comunicado aos seus respectivos pais.

Enzo piorava a cada dia que se passava, e mais uma vez foi levado à diretoria devido aos seus atos. O diretor repreendeu o garoto e o suspendeu até que seus pais fossem a escola.

Chegando em casa, o garoto recebeu um sermão de seus pais. Por fim, o garoto se justificou revelando a maldade que também sofria. Seus pais que até então não faziam idéia, resolveram mudar seu filho da escola. Assim foi feito, e no período, antecedente à mudança, Enzo soube que Júlia também mudaria de escola. Torceu para que a garota não fosse para a mesma escola que ele. Obteve êxito. Enzo havia mudado e não era mais o garoto de antes que ficava calado e não revidava as ofensas. Os xingamentos fizeram que Enzo se tornasse um menino melhor. Ou não.

Era Fevereiro, inicio das aulas e Enzo chega à escola. Dessa vez estava preparado para trilhar novos caminhos e fazer tudo diferente. Queria que fosse reconhecido como ele é. E conseguiu. Mas como era ele? Gordo?

Enzo era bem mais que isso, agora ninguém zombava dele, ele ainda estava acima do peso, claro, mas ninguém ousava lhe chamar de baleião. Ninguém se atrevia a chamar, pois sabiam das conseqüências. Os amigos novos de Enzo ganharam apelidos, como patinho feio, dentuço, vareta e bichinha. Enzo que começou a chamá-los assim. Agora ninguém mais falava mal e batia em sua barriga, ele quem fazia isso com os outros. Agora ele ria dos outros. Ele ria muito. O vilão da história agora é Enzo