Clarice & Ethan - Tudo de mim

Prólogo

Ethan

"Era o intervalo, o pátio do colégio estava cheio. Estávamos em um grupo, quatros inseparáveis amigos encostados em um canto, observando as garotas da escola. Perdido em meus pensamentos, uma garota específica chamou minha atenção. Ela não tinha a beleza comum das outras garotas de sua idade, seus cabelos eram ruivos e longos o suficiente para ultrapassarem a linha de sua cintura emoldurando seu fino rosto, branco como porcelana e destacando seus olhos, que pareciam como duas grandes esmeraldas, o nariz era pequeno e levemente arrebitado, seus lábios eram finos e toda sua forma combinava com seu delicado rosto de feições suaves. Imagino que ela deve ter por volta de 16 anos. Ela estava sentada em uma das janelas do prédio da escola, longe o suficiente para que o resto do grupo que fazia algazarra não a atrapalhasse em sua leitura.

Acredito que estamos em algumas aulas juntos, mas nunca a havia observado mais atentamente, como estava fazendo hoje. Surgiu em uma vontade de conversar com ela, de me aproximar, não sei explicar o que era, mas algo me impediu. Eu que nunca hesitei em me aproximar de uma menina, fiquei intimidado. Continuei observá-la lendo, o quão gracioso era a forma com que ela virava a folha do livro quando encerrava a página, ela não estava solitária apesar de sozinha, pareceu-me que a única companhia que bastava a ela, eram as páginas daquele livro e todos seus personagens.

Em uma fração de segundos, perdido em meus devaneios observando aquela garota, notei que meus olhos encontraram com os dela, senti meu rosto queimar em vergonha, ela havia percebido que eu a observava e estava olhando de volta, com certa curiosidade, querendo entender o que eu tanto observava. Virei meu olhar e no restante do tempo, tentei não olhar em sua direção".

••••••

Clarice

Com toda a gritaria, toda a concentração no livro foi perdida, vasculhei todo o pátio para entender o que acontecia. Foi então que notei o garoto que me observava, me senti tímida, eu raramente conversava com alguém que não fosse um professor, me sentia mais a vontade sozinha. Poucos realmente me notavam aqui e eu fazia o possível para continuar assim. Me parecia seguro. Mas esse garoto, eu já o havia visto por diversas vezes, fazíamos Álgebra 2, Literatura e Biologia juntos. Sempre o observei admirada, como seus cabelos tinham um brilho dourado quando encontravam o sol da manhã e a forma como ele sorria e fazia todas as pessoas em sua volta - principalmente as meninas - sorrir também. E agora, ele me observava atentamente, como se tentasse ver por dentro dos meus pensamentos. Fixo meu olhar no dele, por uma fração de segundos posso jurar que senti uma leve corrente de energia passar por entre os meus dedos até a palma das minhas mãos.
Ele parecia em transe mas finalmente desperta, desviando seu olhar do meu. E eu volto minha atenção para a algazarra que acontecia no pátio. Eu ainda não entendo o que eu estou fazendo aqui. A recordação da última tentativa de negociação - fracassada como todas as outras - com a minha mãe veio em minha mente.

- Mas mãe, eu não entendo qual o problema de se estudar em casa, se eu posso receber uma mesma educação de qualidade igual a de uma escola. Resmunguei pelo telefone.

- Clarice já cansei de te explicar, o importante é o convivo social. Aqui em casa você não poderia conviver com seus colegas, igual convive na escola. Ela disse com um tom de reprovação

- É justamente isso que quero evitar. - Bravejei - A senhora não entende, aqui eu passo a maior parte do meu tempo...

- Sem mais Clarice, estou ocupada. Tenho que ir. Mamãe te ama. Se cuida. - Ela se despediu e desligou o telefone.

"Sozinha" pensei afastando a lembrança. Olhei ao meu redor, todos os estudantes em grupos, casais em um canto e eu sempre sozinha. Não sei qual é o problema comigo, só sinto que eu não me encaixo nesse mundo, não me encaixo com essas pessoas.