Capítulo 30 - Isabel

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O que me consola é saber que Marcelo também é um assassino. Ao mesmo tempo isso me assusta pois sei que é capaz de me matar. Sei que corro perigo e de agora em diante minha vida com ele será uma tensão eterna.

Por outro lado eu sei que o amor dele por mim é tão forte que não o deixará me fazer mal algum. Ou será que num momento de ira ele poderá se virar contra mim?

Eu preciso ser muito sábia e usar de todos os meus artifícios de mulher para que Marcelo não desconfie de mim, preciso pensar e agir rápido antes que ele comece a ligar os pontos.

Uma coisa é certa: estamos tão próximos, tão íntimos, tão sozinhos... Como é bom tê-lo tão vulnerável, tão carente em meus braços. Ele é meu.

Tenho vontade de abrir a janela e gritar: "Marcelo é meu!"

Vou cuidar dele como se cuida de um bebê. Somos um do outro e tão parecidos, somos tão iguais.

Ele aproxima de mim no atelier e diz que não fizeram contato ainda com Iolanda. Eu o abraço e digo que a polícia acabará descobrindo alguma pista. Meu coração se acelera nesta hora. Tenho medo dos rastros que eu deixei.

Eu mudo de assunto.

― Estou muito envergonhada de ter duvidado de você. Mas fiquei tão confusa quando você disse que estava em Ipatinga...

― Minha mãe saiu da cadeia. Iolanda me ligou e fomos juntos pra lá. Minha mãe está muito debilitada. Envelheceu muito na prisão e...

Ele suspira fundo e continua:

― ... acho que não vai sobreviver por muito tempo.

Eu olho fixamente em seus olhos e pergunto:

― Você não se arrepende do que fez?

Marcelo desvia o olhar.

― Não. E toda vez que este assunto vem à tona eu sinto o mesmo ódio que eu senti naquele momento. Eu deveria tê-lo torturado...

― Mas sua mãe pagou por um crime que não cometeu ― eu o interrompo e o olho de cima a baixo.

Marcelo segura em minha mão e olha dentro dos meus olhos. Eu sinto um arrepio. A frieza é tão grande que me sinto congelar por dentro.

― Tudo foi culpa dela. Ela mereceu ficar na cadeia todos estes anos. Não tenho pena dela se é o que quer saber.

Eu respiro fundo e fico meio que sem palavras por um momento. Tento processar meus pensamentos e dizer algo, mas apenas observo-o e depois dou um abraço apertado nele.

Permanecemos colados um no outro por um tempo e depois volto a pintar meu quadro. Ele senta em uma cadeira e fica me observando.

* * *

Eu deixo o carro na porta de casa e entro. Trago nas mãos algumas sacolas de compras. Aproveitei o tempo depois do salão e fui ao shopping. Comprei umas roupas para mim e outras para Marcelo.

Ele está falando ao telefone quando entro na sala. Ele termina a ligação e vem ao meu encontro com cara de espanto. Passa a mão nos meus cabelos.

― Gostei.

― Sério?

Eu cortei os meus cabelos bem curtos, estilo de homem mesmo e pintei de preto.

― Aham.

Ele me abraça e eu fico desajeitada com as sacolas nas mãos. Ele sorri ao ver meu embaraço e se afasta um pouco.

― Trouxe umas roupas pra você. Venha ver ― digo dirigindo-me ao sofá.

Marcelo experimenta uma calça jeans e fica fazendo pose para mim. Mas seu semblante esconde uma tristeza e eu sei que não vai passar tão cedo. Eu finjo não perceber e o envolvo com os presentes que lhe trouxe. Visto algumas peças também e desfilo para ele.

― O que deu em você? ― Ele pergunta e me toma pela cintura.

Eu o beijo nos lábios.

― Medo. Medo de perder você, meu amor.

Marcelo franze a testa e sorri.

― Você nunca vai me perder. Eu te amo tanto que não consigo me imaginar longe de você.

Sinto sinceridade em suas palavras. Eu o abraço forte e tenho vontade de chorar. O que será de nós se ele descobrir o que eu fiz? Eu também não conseguirei viver sem ele. Sou tão dependente dele...

É tão bom sentir a respiração dele, é tão maravilhoso abraçá-lo assim e me sentir tão sua. Nada pode destruir nosso amor. Nada. Nem mesmo a morte de Emily.

Eu não queria matá-la. Mas não tive escolha. Quando ela acordou começou a chorar descontroladamente. Eu fiz de tudo para ela calar a boca, mas quanto mais eu tentava acalmá-la, mais ela chorava e aquilo me deu um ódio tão grande que eu apertei o pescoço dela com tanta fúria que acho que ele se quebrou e neste momento me veio à memória uma imagem.

Vejo uma criança sufocando um bebê com um travesseiro. Ele esperneou um pouco, mas logo ficou quietinho, quietinho, então ela tirou o travesseiro e olhou bem no rostinho do bebê. Ele parecia dormir serenamente. A criança pega o bebê e o vira de bruços sobre o travesseiro. Olha para os lados, depois senta-se no chão e fica brincando com algumas bonecas. "Não vou dividir vocês com ninguém", ela diz baixinho. Eu reconheço aquele quarto, reconheço a voz que chama a criança. É a voz de um homem. Ela se levanta correndo e sai pulando pelos corredores e pula no colo do pai. Ele a coloca nos ombros e quando estou saindo pela porta dos fundos ouvem um grito estarrecedor. É a voz da mãe que ressoou pela casa inteira.

O pai coloca a criança no chão e corre pela casa adentro. A criança vai atrás e encontra a mãe segurando o bebê no colo, aos prantos e o pai ao lado tentando confortá-la. Ela para e fica olhando a cena impassível. A mãe olha para a criança e esta lhe dá um sorriso com a cabeça inclinada para o lado direito, depois vai até o berço, pega um ursinho de pelúcia e sai com ele no colo cantando uma canção de ninar. Eu me lembro da canção, do urso, eu me lembro de todos os objetos daquele quarto. Eu me lembro daquele vestidinho que eu estava usando. Eu me lembro do rosto de minha mãe.

Tudo me vem à memória neste momento e eu sinto uma espécie de êxtase, mas uma lágrima idiota desce pelos meus olhos e eu a enxugo imediatamente. Sou única. Única. Não aceito compartilhar o que é meu com ninguém. Por que foram me dar um irmãozinho ou irmãzinha, sei lá? Eu nunca pedi. Estava muito bem sozinha. E continuei muito bem sozinha.

Olho para o corpinho de Emily, tão indefeso e ao mesmo tempo ameaçador. Com as mãos ainda em sua garganta eu digo:

― Cale a boca, bastardinha!

Ela calou-se na hora e quando eu tirei minhas mãos do seu pescoço ela estava mole sobre o banco de trás do carro.

O que eu podia fazer?

Não tive a intenção, mas aconteceu, então eu precisava me livrar do corpo.

Mas agora o que importa é que Marcelo está comigo e eu sei que Iolanda não é uma ameaça. É só a irmã dele, nada mais.

― Meu amor, quem era ao telefone? Sua irmã? Teve notícias de Emily?

Ele me solta e senta-se no sofá.

― Era Iolanda sim. Nada de concreto até agora. Só pistas, mas...

― Que pistas?

― Ela não me disse. Você chegou e eu desliguei, mas depois eu vou até ela.

― Não vá. Chame-a para nossa casa. Ela precisa de você. Eu vou ajudar a cuidar dela aqui.

Marcelo me olha com os olhos brilhando.

― Acho que ela não vai querer vir. Mas vou falar que você está chamando.

Ele liga para Iolanda e conversam durante um bom tempo, depois ele sai para buscá-la.

Ela aceitou meu convite. Graças a Deus.

Mar de rosas e de espinhosOnde histórias criam vida. Descubra agora