Estudantes de Direito e o senso de superioridade

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“Não pensei que o curso de Direito fosse mudar a sua personalidade”, diz uma conhecida, num tom de lamento. Logo você, tão determinado, se deixou corromper. Mas existe uma frase de alívio, no final das contas: o Direito faz isso com as pessoas. Aquilo que não pode ser evitado não nos atormenta. Logo você… isso significa que existe esperança.

Faz algum tempo que venho ruminando essa ideia de superioridade ostentada pelos estudantes de Direito. Não sei por onde começar, eu também sou um estudante — de Direito, para ser mais preciso, além de um tanto quanto redundante. Tento imaginar o que se passa na cabeça de alunos de outros cursos, como a Medicina, Filosofia, Engenharia e tantos quanto existem.

Em alguns casos é possível perceber que não se trata apenas de superioridade, mas de ignorância. “Ele está complicado demais”, comentam os amigos e familiares. Complicado por que se sente superior, inalcançável. Essa é a palavra certa. Aquilo que não podemos tocar, sentir, entender — só Deus pode ser tão magnífico.

Mas por que o Direito? Isso é questão de linguagem. A advocacia ocupa o segundo lugar na lista das profissões que mais atraem psicopatas, conhecidos pela astúcia, destreza, inteligência e indiferença. Misture esses elementos e chegará a um resultado interessante: o curso de Direito forma intérpretes, indivíduos capazes de analisar cada proposição, fato ou evidência de modo frio e calculista.

A superioridade é aparente. Ela esconde outros sentimentos, mais profundos, mais perturbadores, mais compreensíveis: a solidão e a angústia. O distanciamento dos estudantes de Direito não acontece de forma vertical, o que comprovaria a superioridade hierárquica, mas sim de forma horizontal.

Uma pessoa complicada é, por definição, indefinível. Esse nó no nosso cérebro é perfeitamente desfeito por meio de uma ascese filosófica. O Direito está imerso em filosofia. A literatura contribui com sua imensa variedade de estilos, ideias, possibilidades. A lei, por si só, não vale nada. O que era superioridade passa a ser uma busca por compreensão.

Por isso de os alunos do curso de Direito formarem grupos, clãs cheios de mistério, cheios de si. Apenas ali podem conversar sobre o mundo, sobre as suas inquietações, sobre o tão falado Estado Democrático de Direito.

Não existe superioridade. Existe distância, um verdadeiro deserto entre as pessoas. Esse deserto não pode ser percorrido pelo simples diálogo, sem esforço, sem habilidades genuínas. A aproximação requer que uma das partes abandone a sua concepção de mundo e se entregue aos designíos alheios. Um estudante de Direito dificilmente fará isso.

E nisso parece que retornamos à ideia de superioridade. Por que defender uma forma de pensar, de agir, de se comunicar, em detrimento de amizades, diálogos e relações familiares? Isso é uma questão de fé, não de superioridade.

Mas tudo isso pode estar errado. E essa minha modéstia pode parecer falsa e proposital. Esse texto pode conter uma mensagem de superioridade. Quem vos escreve pode muito bem se sentir superior. Eu sou superior, diz o escritor de si para si. “Ele está complicado demais”. Isso diz muito sobre o ser humano e pouco sobre o Direito.

Originalmente em:

© obvious: http://lounge.obviousmag.org/cade_o_futuro/2013/12/estudantes-de-direito-e-o-senso-de-superioridade.html

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⏰ Última atualização: May 27, 2014 ⏰

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