CAPÍTULO I
A chuva fina e fria caía incessante há algumas horas. Era noite e a névoa cobria a cidade dificultando o transito, transformando o que já era caótico em algo impossível. Nicholas olhou o relógio e suspirou desolado. O cansaço do dia juntava-se a agonia do transito parado ameaçando sua sanidade. Uma buzina o fez abrir os olhos e praguejar. Engatou a marcha e andou alguns metros antes de parar novamente. Maldita hora em que decidira passar no desfile apenas para marcar presença. Não era preciso já que Lucas, seu irmão caçula estava representando a construtora na mesa dos patrocinadores. Mas uma força poderosa o arrastara àquele evento, e ele não precisava pensar muito para dar nome a essa força. Daniele. Como se precisasse de uma lembrança, um imenso outdoor despontou a sua frente quando andou mais alguns metros. Pecado, pecado, pecado. Fogo, luxúria, inferno. Eram as coisas que ele pensava enquanto olhava Danielle numa imagem de propaganda de shampoo. Cabelos como o fogo, olhos que hipnotizavam e a boca do pecado. Era a própria imagem da luxúria. Era o seu inferno.
Só em pensar no maldito desfile Nicholas sentia um desagrado quase sufocante. Era um tipo de evento que o entediava ao extremo. E, para piorar a situação Daniele estaria nele. E isso era muito constrangedor. Ainda não se acostumara com a profissão que ela escolhera e, com certeza, nunca se acostumaria. Assistir aos desfiles em que ela participara o enfurecia e o deixava pronto pra brigar. E era sempre isso que acontecia quando chegavam em casa. Nicholas reclamava das roupas curtas, decotadas e indecentes que ela usava, Lucas tentava defendê-la, Daniele o enfrentava com respostas mal criadas e cínicas. Ele nunca conseguia vencê-la. E isso era extremamente frustrante. Já perdera as contas de quantas vezes a briga terminava com Daniele se prendendo no quarto e ele socando a porta e gritando.
O som de outra buzina o fez acelerar o carro. Sentia-se muito cansado após uma reunião de cinco horas na construtora. Exausto, na verdade. Lucas saíra mais cedo para representar a empresa no evento, pois sabia que Nicholas só sairia quando tudo estivesse resolvido. E isso sempre adentrava a noite.
Nicholas suspirou desejando que Lucas se comportasse até sua chegada. Às vezes, seu irmão agia como um adolescente apesar de seus vinte e oito anos. Era impetuoso e inconseqüente quase tanto quanto Daniele com seus vinte e três. Os dois faziam-no sentir-se como um velho, apesar de ter apenas cinco anos a mais que Lucas. O irmão era tão parecido com Daniele em alguns aspectos, que poderiam realmente ser irmãos de sangue. O que não eram. As diferenças físicas entre eles eram prova disso.
Enquanto o trânsito andava em câmara lenta, Nicholas perdeu-se nas lembranças do dia em que Daniele e sua mãe Helena chegaram a sua casa há exatos vinte anos.
Era uma manhã de sol e os dois estavam na piscina, quando o pai Giovane, chegara fazendo-os gritarem de alegria. Mas ele não estava sozinho. Trazia uma bela mulher pela mão e uma criança de cabelos cor de fogo. Era a primeira vez que eles viam o pai com uma mulher depois da morte da mãe, o que acontecera há muitos anos, por ocasião do nascimento de Lucas. A mãe sofrera muito com a gravidez, proibida pelos médicos devido a eclampsia que havia tido no parto de Nicholas e que quase a levara a morte. Mas, contrariando as ordens ela engravidara novamente e morrera no parto de Lucas, deixando o pai destruído por anos. Giovane nunca mais se envolvera com nenhuma mulher. Então, foi uma surpresa para os filhos vê-lo chegar de mãos dadas com uma aquele dia na piscina.
Daniele tinha apenas três anos e era a coisa mais linda que eles já tinham visto na vida. Nicholas e Lucas se apaixonaram quase que imediatamente por ela, e não se importaram quando o pai anunciou Helena como sua noiva. Ficaram felizes por estarem ganhando, de uma só vez, uma madrasta e uma irmã.
