Capítulo I - A mudança

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Alguns dizem que na vida tudo tem um caminho e que esse se chama destino. Outros dizem que nossa vida já está escrita entre o brilho das estrelas. Admiro distantemente os mais ousados, que batem no peito gritando ao mundo que os caminhos da nossa vida somos nós que moldamos. Se uma grande mudança acontece em nossa vida, é porque já estávamos predestinados a isso ou é uma consequência dos nossos atos? Como conseguiríamos mudar a situação? Em minha juventude encontro-me questionando isso à vida, em meio às sombras. Todavia, de que adianta entender a luz quando se está tão fixo à escuridão? Para compreender o destino – e consequentemente a vida – precisamos jogar-nos à claridade, irritar a retina e acostumarmo-nos com uma nova visão. Foi então que a vida me agraciou com esta oportunidade, que tentei resistir com os olhos fechados por muito tempo, mas que agora escrevo para que apreciemos o ensaio do destino.

Sendo assim, descrevo minha história de juventude com os sabores do suspense, banhada a um leve aroma de pessimismo e com fugas digressivas. Tudo para lançar fora de minha mente esse enigma que corroeu minha juventude: somos dependentes do destino ou somos senhores dele? Podes resolvê-lo, caro leitor? A ti deixo os sabores da vida, para que encaixes nesta narrativa teus preceitos.

Enfim: chamo-me Nícolas Martinelli. Sempre fui um garoto que nunca se importou com o futuro. Em minha veia sempre correu o mais puro "Carpe Diem". Talvez a inspiração venha da minha irmã, Melissa, de 27 anos. Pobre de minha mãe Sara; velha, já com os fios brancos saltando de seu espírito, e tendo que esperar deitada, no sofá da sala, Melissa abrir a porta cambaleando, aos vômitos, sempre acompanhada de uma nova pessoa. Quando não era acompanhada, vinha mais enérgica, com pó pelo seu nariz. Não importava como ela entrava, as madrugadas daqueles sábados se evaporavam em gritaria e desentendimento. Caprichos familiares.

Não sei se devo culpar Melissa, isso porque foi ela quem viu nosso pai morrer. Na adolescência é assim, qualquer faca te corta como espada. Melissa cursava medicina em uma universidade particular e sabia equilibrar os estudos quase medíocres com sua vida popular em festas.

Minha mãe quem pagava sua faculdade, com satisfação até, já que sempre foi uma empresária de sucesso. Ela vestia-se de um jeito formal demais, que às vezes dava-lhe um ar de autoritária, mãe séria; mas eram somente traços, a preocupação com a família que lhe assombrava o espírito. Com aquele uniforme eu sempre a nomeava como a "supermãe", com seu jeito engajado, mas extrovertido de ser.

Meu pai se chamava Luís, era a alma da família. Sempre criava algo totalmente diferente e divertido nos finais de semana para passar junto com a família. Para ele, quanto maior a amizade com os vizinhos, melhor. Por isso era o mais conhecido da vizinhança: esbaldava pelas ruas seu sorriso carismático. Imagine então o leitor o impacto de sua morte na noite do dia 13 de agosto de 2007. Melissa se traumatizou fortemente com a morte dele e minha mãe omitiu os detalhes de mim, dizendo apenas que havia sido atropelado, ao que me parece não haver sido nada normal de se presenciar. Mesmo que minha irmã e minha mãe se desentendessem, minha mãe era superprotetora, fazia de tudo para construir uma redoma de proteção para os filhos; queria pagar também pela falta do pai.

Mesmo com a morte do meu pai, nunca nos mudamos da nossa casa na cidade de São Paulo, em um bairro que eu gostava muito por sem bem arborizado, esse que ainda permanece em uma junção de movimento e calmaria, com suas árvores distribuídas pelo canteiro central e calçadas. A casa foi herdada de geração em geração pela família do meu pai. Foi criada por Virgílio Martinelli, que foi também, em 1762, um dos fundadores da primeira universidade do Brasil. Tinha ares rústicos, pisos de madeira, porão e um pequeno jardim. Foi muito reformada e não deve parecer como foi naquela época; atualmente tem ares como as casas dos subúrbios, com uma fachada moderna, amplos cômodos distribuídos em dois andares. O que ainda permanece são seus amplos espaços. O próprio bairro se transformou em um subúrbio nobre. Em seu segundo andar se encontra meu quarto, de frente com a entrada. Meu passatempo era sentar no sofá acoplado à parede da grande janela dele e ficar ali, por horas, observando o vai e vem da vida.

Ensaio de SombrasWhere stories live. Discover now