Nova Iorque 1965

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Foi na Nova Iorque de 1965, quando estava voltando de uma medíocre sessão de autógrafos de meu segundo livro, que o destino me jogou de encontro com uma peculiar criatura.

        Saí de livraria e peguei um ônibus porque eu não tinha dinheiro para um táxi. Na verdade eu tinha 50 dólares no bolso, mas precisava economizar o máximo possível, pois era necessário comer, e não sabia quando voltaria a ganhar 50 dólares. Eu era mais um escritor pobre, metido à besta.

        Além disso, meu dia não estava muito divertido. Meu senhorio me dera um mês para encontrar outro apartamento. Em parte pelos três meses de aluguel atrasados, e em parte por eu ter dito que se ele não parasse de me irritar cobrando esses três meses de aluguel atrasado todos os dias, eu iria até o apartamento dele e foderia sua esposa e o faria assistir tudo amarrado em uma cadeira. Isso fora pela manhã. À tarde, um pouco antes de começar sessão de autógrafos, a minha namorada dissera que precisava falar comigo, e então ela aparecera dez minutos depois, na livraria. A vaca queria terminar comigo. Até hoje não a culpo. Afinal, eu era apenas um escritor pobre.

        Mas meu dia precisava acabar com maestria, e foi quando o ônibus chegou e eu entrei; estava lotado.

        Dentro do veículo fui me espremendo, procurando um lugar para ficar e, no mínimo, respirar um pouco. Não foi uma tarefa fácil. O sobretudo encardido que eu vestia enganchava em qualquer coisa que tivesse uma ponta. Tenho quase certeza que ele ficou preso por alguns instantes no pequeno diamante da aliança de uma mulher.

        Quando me desvencilhe de todos os obstáculos, deparei-me com uma imagem que fez usar uma frase, apenas usada por aqueles de grande intelecto, como eu, um escritor pobre, metido à besta. A frase é curta, mas rica em efeito: "que porra é essa?"

        Havia uma garota sentada no banco rente a janela, com um sorriso anunciador de que não estava nem ai para o que estava acontecendo ao seu redor. Parecia estar bastante ocupada naquele momento desfrutando do vento que se deslocava, atingindo os seus cabelos com sutileza e paixão. Sua pele era negra. Não de um escuro intenso, mas claro e plácido. Com a minha mão direita presa no ferro sobre mim, eu via luzes de diferentes cores passarem em seus olhos como se fossem cristais que mudam de brilho quando postos contra ao fulgor inexorável do sol. Olhei ao redor e me perguntei se era o único a contemplar majestade tão divina. Sim, era. Olhavam para todas as direções, exceto para onde estava a garota. Na verdade alguns a olhavam vez ou outra para ela, porém, não com uma olhar apaixonado como o meu. Em suas expressões havia a semente do nojo e do ódio.

        No entanto, o que me fez usar a tão bela frase de efeito, não foi à garota, mas sim o lugar vago ao seu lado. Isso era estranho, pois o ônibus estava lotado, e tenho certeza que todos que estavam em pé, matariam um bebê num ritual satânico para conseguir se sentar um pouco. Foi então que, não tirando os olhos da garota, toquei no ombro de um homem gordo e careca que estava em pé do meu lado, e perguntei o porquê de a cadeira estar vazia. Ela está quebrada, ou algo do tipo?

        — Não é nada com a cadeira, amigo. É a garota sentada ao lado. — Respondeu.

        — O que tem ela?

        — A desgraçada está fedendo mais do que a minha merda.

        — Eu não estou sentindo nada.

        — Tem que chegar perto para a coisa ficar séria. Tentei me sentar ali, mas nem todo o perfume do mundo esconderia o mau cheiro.

        — Entendi.

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