Capítulo III - Geologia do tempo

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Acordei desesperado, ainda chamando por ajuda. Tudo não passou de um estranho pesadelo, que mais parecia realidade. Todos ainda dormiam, então tentei esquecer isso me arrumando para as aulas; era quase impossível. "Acredito em você"? O que aquela voz esperava de mim? Era só um sonho, uma invenção qualquer da minha mente. Mas mesmo assim... Eu deveria ler aquele livro. Deixaria para depois, precisava esquecer essa história toda e me focar nos estudos, porque aquele era o primeiro dia de aula. Despedimo-nos de Christian, já que fazia curso de eletrônica, assim eu e Enzo fomos para a nossa sala. As salas da universidade eram grandes, para comportar muitos alunos. Fomos para as cadeiras dos fundos, já que acreditávamos que só as pessoas dali eram interessantes. Acresce também que havia algumas garotas.

Houve muitas apresentações, introduções à geologia, algumas conversas com outras pessoas, piadas e brincadeiras de Enzo, mas eu não vou negar que o que mais me chamou atenção foi o discurso de introdução sobre geologia que o professor fazia.

— Parabéns a vocês que escolheram esse curso, porque são poucos que têm essa decisão tão abstrata. Quantas vezes alguém já não perguntou para vocês o que é ser um geólogo e vocês se enrolaram em palavras? Ser um geólogo é uma coisa que você mesmo define com o tempo. É ser você mesmo, estudar cada camada de si para depois estudar o mundo, porque quando se começa você percebe que vai ter que mudar em muitas coisas. Para ser um geólogo, você precisa ser explorador, enfrentando cada medo que antes você tinha, vai precisar enfrentar a natureza. Só conseguimos superar um medo quando o desvendamos por completo. Por isso vocês têm grandes dificuldades pela frente, só basta terem forças para superar o desconhecido.

Enquanto ele ia falando, eu ia repensando nesses casos sobrenaturais que aconteciam na universidade. Com a frase sobre o medo, eu realmente fiquei ansioso para desvendar logo tudo isso e acabar com essa história.

No intervalo, nos encontramos com Amanda em um canto escondido da universidade, longe da passagem das pessoas. Era no meio do bosque, sentávamos embaixo de um Ipê rosa imenso e largo. Era um ipê diferente de qualquer outro, tinha um largo tronco, assim como seus galhos, que com suas folhas desenhava uma gigantesca sombra no chão. Ele se sobrepunha às outras árvores, ainda que solitário com um grande campo vazio ao redor, poucos metros distante do denso bosque. De certa distância, escondida entre as árvores, víamos uma casinha antiga. Como começava o outono, o céu estava um pouco nublado à nossa alegria.

— Me digam se esse não é o lugar mais perfeito dessa universidade? Elena que me mostrou. Os veteranos podem ser legais também — disse Amanda.

— Ah, disso eu não tenho dúvidas que as veteranas podem ser bem legais — disse Enzo, com seu sarcasmo e ênfase em "as veteranas".

— Falando nisso, você se esqueceu de me dar os detalhes de como foi aquela noite.

— Não posso falar essas coisas na frente de uma jovem tão pura.

— Ah, coitado! — exclamou Amanda.

— Mas olha só... — demonstrou-se Enzo surpreso, com a mesma cara que eu fiz.

Continuamos a conversar enquanto o vento batia e ressoava nas folhas ainda alegres do Ipê. Começamos a conversar sobre jornalismo, coisas em comum entre mim e Amanda e... Claro que Enzo percebeu a intenção, então saiu para buscar batatas-fritas para nós.

Enquanto conversávamos, a natureza fazia a sua sinfonia dos ventos, estes que nos acalmavam completamente. Os mesmos tentavam arrancar da copa da árvore uma única folha que fosse, mas ela persistia ainda viva entre o verão e o impasse do tímido outono. Ficamos unidos um ao outro, como os galhos da árvore e suas folhas. Ao agito constante do vento, eram levados também nossos lábios, a um encontro inusitado no ar. Era uma sensação única ouvir a doce voz de Amanda vibrar reluzente pelos ares, e a até movimentarem as gramas. E eu, bobo com essa imersão a qual Amanda me colocava, levemente passava as mãos pela grama tão macia, enquanto sorria para seus olhos profundamente amendoados.

Ensaio de SombrasWhere stories live. Discover now