Prólogo

5 0 0
                                    


20 de Janeiro de 2009

   Observo a neve caindo lentamente entre a movimentação dos cidadãos de Londres, como se o frio das ruas fosse o maior aconchego e combustível dessas pessoas, que pareciam dispostas a trabalhar e ir atrás de seus afazeres justo nos dias mais gelados do inverno europeu. O banco de pedra onde eu me sentava no Hyde Park não era o mesmo desde o dia 20 de Janeiro de 1998. Quero dizer, para qualquer um é apenas um banco para acomodar seus corpos preguiçosos e cansados, mas para mim era muito mais do que isso. 

  Soltei a fumaça do cigarro pela boca e ela se mesclou ao ar gélido, assim como naquela tarde dos anos 90 em que conversei com a garota que mudou minha vida, e como em qualquer paixão, eu apenas não sabia distinguir se foi para melhor ou para pior. Desde a morte de Arya Mitchell, naquele mesmo ano, eu vinha até esse local e fumava um cigarro qualquer, como uma homenagem a ela. O ser humano tem um maneira estranha de demonstrar que sente a falta de outros. Finalmente apaguei o cigarro e joguei o que sobrou dele na neve, enterrando-o com os pés, um ponto a menos para a natureza e um ponto a mais para o homem. Dei uma última olhada na paisagem bonita e solitária do parque no inverno e decidi voltar para meu velho apartamento, localizado em um bairro mais afastado da cidade. 

  Após enfrentar o trânsito tedioso, parei para comprar um café, como se eu não pudesse fazer um em minha própria cafeteira, uma pequena atitude que provava que o capitalismo e a preguiça estavam interligados. Sentei em meu sofá em frente à TV e troquei o café por uma cerveja que encontrei na geladeira, liguei em um canal qualquer e bebi o líquido frio que Arya e meu fígado detestavam... É estranho Arya estar morta e meu fígado não. Ali fiquei, um pouco deitado e um pouco sentado, vendo o sol do final da tarde abraçar o bairro pela janela ao lado da TV. Eu não conseguia parar de pensar nela, como em vários dias nos últimos onze anos, porém hoje a garota parecia estar mais viva em minha mente do que esteve em 1998, o que me lembrava que se estivesse viva, hoje ela teria 29 anos.

  Como teriam se tornado suas jovens feições aos 29 anos? Teríamos assumido nossa relação ou ela teria seguido em frente, como uma boa garota, e achado alguém de sua idade? Suas brincadeiras e pensamentos adolescentes teriam se transformado em lembranças ou continuaria com aquele espírito vivo e divertido que tinha aos 18 anos? Nunca saberíamos, mas no fundo eu imaginava que Arya continuaria a mesma, apenas mais madura e talvez sua maturidade dissesse adeus a mim e a curta história que vivemos. Ela nunca amadureceu, seus pensamentos não mudaram, ela não teve tempo para rir das loucuras que fez na sua juventude e nem de seus antigos ideais e opiniões, ou para lembrar-se do homem patético que se apaixonou pelo seu brilho jovial e precoce.

   Arya não teria a crise dos 30 anos ao menos, que foi exatamente na época desse meu caos interior que ela me encontrou. Droga, ela teria um futuro brilhante, era uma garota inteligente, mas a morte imortalizou-a em meus pensamentos, enterrou seu corpo magricelo em um cemitério afastado e cobriu-o de terra para que sua beleza fosse levada para sempre. Para a surpresa de todos, Derek Hewitt, um professor qualquer de literatura inglesa, fumante, que apreciava até demais bebidas alcoólicas e vivia no mundo da Lua acabou casando-se com uma enfermeira e teve um filho, que esse ano completaria oito anos. Agora o que todos que me conhecem acreditaram é que me separei quatro anos após o casamento, Jenna (minha ex-esposa) alegando que eu era um homem egoísta e distante, e também não posso me esquecer de suas últimas palavras antes da separação: "Pode levantar essa bunda do meu sofá e procurar outro por aí, seu imbecil bêbado".

    Várias lembranças vieram à tona nessa noite, atéeu finalmente cair no sono, um sono profundo e agitado, onde a voz de Arya meguiava pelos lugares mais estranhos e desconhecidos. Acordei na madrugada e mesentei em frente à janela, acendendo mais um cigarro, me perguntando se meupulmão merecia toda essa destruição. Bem, todos nos autodestruímos de algumamaneira, não é mesmo? Fiquei um bom tempo observando os telhados das casascobertos pela neve, as ruas iluminadas fracamente por altos postes de luz.Merda, existe algo pior do que um homem velho e triste? Você me deixa com tédio, Sr. Hewitt, diria a Srta. Mitchell. 




Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jan 15, 2018 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Art DecoOnde histórias criam vida. Descubra agora