11. Vinícios

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Naquele sábado, estava mais traquina do que nos outros dias. O que, definitivamente, não era pouco. Já tinha quebrado a vidraça do vizinho de trás com a bola de futebol, enterrado seus bonecos de ação no jardim recém-plantado pela senhorinha do apartamento ao lado, ficou pendurado no parapeito da sua janela no quinto andar para isso, causando desespero no pobre porteiro lá embaixo. E não passara das nove da manhã.

Sua mãe cogitou lhe deixar de castigo depois da ligação desesperada do porteiro, mas tinha compromissos de trabalho até o meio-dia. O combinado era que iria para uma festinha de aniversário de um colega de escola. Já tinha comprado o presente. Festa na piscina. Dona Eleonora respirou fundo, fez uma pequena prece pedindo pela segurança de todos e o deixou no endereço do convite.

─ Vinícios, meu amor, – Olhou bem no fundo dos olhos verdes do menino de onze anos complicado que o filho tinha se tornado e, sem deixar transparecer o desespero que carregava na alma, disse – nada de causar problemas para estas pessoas, ok? Preciso que você seja o garotinho mais adorável do mundo pelas próximas três horas. Isso é possível?

─ Mãe... – Ele, envergonhado pelo tom de voz infantilizado da mãe que ainda por cima o chamava de garotinho adorável, queria entrar logo na casa do amigo.

─ Vini... – Ela o provocou. – É possível, meu bem?

─ É. – Respondeu contrariado como todo pré-adolescente sempre é o tempo inteiro.

─ Você pode conter seus instintos destrutivos por algumas horinhas, querido? – Ele fechou a cara. Ela sorriu de dentro do carro, adorava quando ele ficava com vergonha, era sinal de que, em algum lugar ali dentro, ainda havia alguns valores. – Ou preciso levá-lo para uma manhã de sábado tediosa de aulas de tango para a terceira idade? – Sempre que queria convencê-lo, usava esse argumento. Era mais do que eficiente. Vini detestava tango desde que o pai morrera.

─ Tá bom, mãe. Não vou machucar ninguém. – Ela o olhava de dentro para fora. Insistia. Ele continuou. – Nem quebrar nada. Nem xingar. Nem subir em lugares perigosos.

─ Nem arrancar plantinhas indefesas. Nem pregar peças de mau-gosto. Nem fazer chifrinho nas fotos... – Ela poderia continuar aquela lista infinitamente, mas o filho a interrompeu.

─ Já entendi, mãe. "O garotinho mais adorável do mundo". Ok? – Era tanta ironia naquelas palavras que Eleonora fez outra prece, dessa vez pedindo ajuda ao marido falecido, porque não estava sendo nada fácil desde que ele se fora. Que ele ajudasse nem que fosse do além na criação do filho.

─ Tudo bem. – Respirou fundo. Vinícios já ia descer do carro. – Cadê meu beijo, possa saber?

─ Mãe... – Implorou, mas ela apenas apontou a bochecha e ele a beijou apressado.

Vinícios entrou na casa de Júlio César correndo. Não queria que ninguém o visse beijando sua mãe na porta de casa. Vini era um cara durão para a sua idade. Marrento. Como podia ser pego nesse flagra? Felizmente, ninguém viu.

A casa do amigo era em um condomínio fechado. Precisava cruzar um corredor de casas para chegar à piscina. Mas dava para ver de longe os balões e ouvir a algazarra de, pelo menos, umas vinte crianças correndo e pulando na água. Não foi difícil de achar.

Vini seguia de cabeça baixa, prestando atenção no embrulho do presente. Era um embrulhinho. Eram óculos de natação. Sabia que o amigo adorava nadar. Vini tinha, ele mesmo, feito o pacote de improviso. Estava verificando se o serviço estava bem-feito. Estava passável.

Até se assustou quando uma garota tirou brincadeira com ele. Ela assoviou e o chamou de gatinho. No auge dos seus doze anos incompletos, Vini ficou com muita vergonha. Mas ela, de bicicleta, chegou perto dele e insistiu nos galanteios. "Lindo". "Que olhos são esses?". "Que gatinho!". O assédio foi tanto que ele teve de levantar a cabeça.

A garota era mais velha. Tinha uns treze anos. Um cabelo muito escuro num rabo de cavalo. Um nariz bem afilado. E um sorriso travesso.

─ Você é lindo, sabia? – Ela não se intimidou nem com o olhar dele.

─ Obrigado. – Respondeu ficando vermelho.

─ Você vai para a festa do Júlio César?

Apenas balançou a cabeça em afirmação.

─ Vai não, gatinho. Fica comigo.

Vini nunca conhecera uma garota tão direta. Ela sabia exatamente o que queria. Aquilo o assustava. Várias garotas já tinham dito que era bonito. Gostavam dos seus olhos verdes e do seu sorriso. Mas ela era a primeira a pedir para ficar com ele. Ficar.

Vini sabia exatamente o que significava, mas nunca tinha lhe passado pela cabeça ficar com alguém. Bem, talvez com uma pessoa, mas nem ele admitia isso ainda. Nunca tinha beijado ninguém. Não beijaria uma total desconhecida.

─ Não. Obrigado. – Baixou a cabeça e seguiu apressado até o fim do corredor. A garota espiando sentada na bicicleta.

No mais, a manhã correu bem. Cumprimentou Júlio César, caiu na água com o restante dos coleguinhas da escola e, por mais que tivesse encontrado mil possibilidades de tocar o terror, cumpriu a promessa de ser um bom garoto durante toda a festa.

Depois dos parabéns, comeu um pedaço de bolo. A mãe de Júlio impediu as brincadeiras dentro da água por pelo menos uma hora depois que o almoço foi servido. Então, a sugestão foi brincar pelo condomínio. Engataram um esconde-esconde. Cansaram com oito rodadas. E partiram para um Cabra-cega. Era a vez de Vini ser vendado.

Todos os seus colegas estavam na quadra. Pelas regras, tinham que ficar apenas naquele espaço. Vini seguia as risadas com os braços esticados, procurando pelas garotas mais falantes. Ana Maria nunca conseguia ficar calada. Era o alvo mais fácil.

De repente, esbarrou em alguma coisa. Em alguém. Antes que conseguisse pensar sobre o que tinha acontecido, sentiu a língua quente entrar na sua boca. Mexendo feito uma lagartixa. Aquilo era um beijo, mas nem de longe era bom. Empurrou a garota.

Ele tirou a venda com uma puxada só. Estava zangado. A menina caiu no chão. A menina da bicicleta. Ela estava rindo. Ele tinha vontade de chorar. Todos os seus amigos estavam ao seu redor. Ninguém ria. Conheciam Vini o suficiente para saber que não tinham permissão para brincar.

Vini olhou para ela com ódio no olhar. Tinham o mesmo tamanho. Ela estava estatelada no chão. Mas ria. Era a única a rir. Ele sentiu um desejo muito forte de começar a chutá-la. Adoraria descarregar parte da revolta que guardava em si naquela idiota de rabo de cavalo que se achava no direito de sobrepor a sua vontade à dos outros.

Mas lembrou-se da mãe. Respirou fundo. Percebeu que era mesmo o adorável garotinho da mamãe. Simplesmente virou de costas e saiu da quadra.

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