Os 38 Assassinos do Principe Johnn

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Mabberton ardeu com vontade. Todos os vilarejos arderam naquele verão. Segundo Makin, foi um verão escroto, mesquinho demais para mandar uma chuva sequer. E Makin não estava errado. Levantávamos poeira aonde quer que chegássemos. Quando saíamos, deixávamos fumaça.

  “Quem quer ser um fazendeiro?” Makin gostava de fazer perguntas.

  “Quem quer ser uma filha de fazendeiro?”, acenei para Rike, que cambaleava em sua sela, quase cansado demais para cair. Ele mantinha um sorriso estúpido no rosto e uma peça de seda sobre sua armadura. Onde ele achou aquele nobre tecido em Mabberton, eu jamais saberei.

  “Irmão Rike gosta dos prazeres simples”, disse Makin.

  Claro que gostava. Rike sentia verdadeira fome por eles. Uma                         fome que era tal e qual fogo.

  As chamas engoliram Mabberton. Eu mesmo pus a tocha no telhado de sapê da estalagem e o fogo nos perseguiu até a saída do vilarejo. Apenas mais um dia maldito daqueles longos e violentos anos da queda de nosso Império.

  Makin limpou o suor, manchando-se com fuligem. Ele tinha um talento para se sujar - ah, se tinha. “Você não se manteve acima desses simples prazeres, irmão Johnn.”

  Não poderia discordar. “Quantos anos você tem?”, aquele fazendeiro gordo quis                saber. Velho o bastante para visitar suas filhas. A gordinha não calava a boca, assim como o seu pai. Guinchava como uma coruja de celeiro, ferindo meus ouvidos. Preferi a mais velha. Ela era quieta. Tão quieta que você precisava lhe dar uns tranços, só para ter certeza de que ela não morrera de medo. Embora eu imagine que nenhuma das duas tenha permanecido calada quando o fogo as alcançou...

  Do alto de sua montaria, Gemt arruinou meus pensamentos.

  “Os homens de Negann vão ver a fumaça a quinze quilômetros daqui. Você num devia ter queimado a vila.” Ele balançou a cabeça, sacudindo sua estúpida juba ruiva, de um lado para o outro.

  “Num devia”, repetiu seu irmão idiota, de cima do velho tordilho. Nós o deixávamos montar o tordilho, atrelado a uma carreta. O velho tordilho jamais saía da estrada. Aquele cavalo era mais esperto que Maical.

  Gemt fazia questão de opinar sobre tudo. “Você num devia jogar os corpos no poço, vamos ficar com sede.” “Num devia matar o padre. Vamos ter azar a partir de agora.” “Se a gente pegasse leve com ela, podia pedir resgate ao Barão Kennick.” Eu só queria atravessar sua garganta com minha faca. Naquele instante mesmo. Bastaria me inclinar e enfiá-la no seu pescoço. “O quê? O que você disse, irmão Gemt? Blá-blá-blá? Num devia ter apunhalado seu pomo de Adão gordo e velho?” “Oh, não!”, gritei, como se estivesse chocado. “Rápido, Pequeno Rikey, vá mijar sobre Mabberton. Você precisa apagar aquele incêndio.” “Os homens do barão vão ver”, insistiu Gemt, vermelho de raiva. Seu rosto ficava como uma beterraba se você o confrontasse. Aquela cara vermelha só aumentava meu desejo de matá-lo. O que não fiz. Como líder, você tem certas responsabilidades. Como a responsabilidade de não matar muitos dos seus homens. Caso contrário, em quem você vai mandar?

  O bando se aglomerou à nossa volta, como sempre acontecia numa situação dessas. Puxei as rédeas de Gerrod, que refugou, soltando um relincho. Observei Gemt e esperei. Esperei até que todos os meus trinta e oito irmãos estivessem à nossa volta e Gemt ficasse tão vermelho como as suas orelhas estivessem a ponto de sangrar.

  “Aonde estamos indo, meus irmãos?”, perguntei, levantando-me sobre os estribos para que pudesse encarar todos aqueles rostos medonhos. Abaixei o tom da voz e todos fizeram silêncio para me ouvir.

  “Aonde?”, perguntei novamente. “Certamente não sou o único a saber. Ou por acaso tenho o hábito de guardar segredos de vocês, meus irmãos?”

  Rike parecia um tanto confuso, enrugando a testa. Burlow, o Gordo, se aproximou mim pela direita. À minha esquerda, os dentes brancos do nubano contrastavam com seu rosto, enegrecido pela ferrugem. Silêncio.

  “O irmão Gemt pode nos dizer. Ele sabe o que há e o que deve ser feito.” Sorri, embora minha mão ainda desejasse apunhalar sua garganta. “Aonde nós vamos, irmão Gemt?”

  “Wennith, na Costa Equina”, disse, relutante em concordar com o que fosse.

  “Muito bem. E como chegaremos lá? Quase quarenta de nós, em nossos ‘magníficos’ cavalos roubados?” conseguia ver aonde eu queria chegar.

  “Como vamos chegar lá se queremos um pedaço da torta enquanto ela ainda está quentinha?”, perguntei.

  “Pela Estrada dos Cadáveres!”, disse Rike, animado por saber a resposta.

  “A Estrada dos Cadáveres”, repeti, ainda calmo e sorridente. “De que outra forma chegaríamos lá?” Olhei para o nubano, fitando seus olhos escuros. Não conseguia ler seus pensamentos, mas o deixei ler os meus. Não tem outro jeito.”

  Rike estava com sorte, eu pensei. Mesmo sem saber qual é o jogo, ele gosta do jeito como está jogando.

  “Por acaso os homens do barão sabem aonde nós vamos?”, perguntei a Burlow, o Gordo.

  “Cães de guerra seguem a linha de frente”, disse. Burlow, o Gordo, não é um estúpido. Sua papada treme quando ele fala, mas não é um estúpido.

  “Então...” - eu olhei um por um, bem devagar - “quer dizer que o barão sabe aonde estes bandidos aqui estão indo? E sabe por onde vamos passar?” Esperei frase surtir efeito. “E eu acabei de começar a porra de um incêndio só para deixar claro que péssima ideia seria tentar nos seguir.”

  Por fim, enterrei minha faca em Gemt. Eu não precisava, mas eu quis. Ele se contorceu um bocado, golfando sangue e mais sangue, e caiu do cavalo. Seu rosto vermelho rapidamente ficou pálido.

  “Maical”, eu disse. “Pegue a cabeça dele.”

  E ele obedeceu.

  Gemt escolheu um momento errado, só isso. O que quer que tenha estragado o irmão Maical, não afetou seu exterior. Ele parecia tão intacto, tão rude e tão azedo como o resto dos demais. Até que você lhe fizesse uma pergunta.

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