O vento fresco daquela manhã bateu no meu rosto, afastando meu cabelo. Aquele cabelo amarelo, seco, horroroso. Suspiro, nostálgica e pensativa. Quantas vezes aquela ideia já havia passado pela minha cabeça? E quantas mais passaria até que eu fosse capaz de realizar o que queria a tanto tempo? Mas não tinha coragem. Estava mais uma vez no alto do terraço da escola, olhando pra longe, sem realmente olhar para algo. Quantas vezes já não teria subido ali com o real intuito de pôr fim a minha própria vida, mas no final acabava por desistir. Ou melhor, ele acabava por convencer me a descer dali e viver mais um dia.
E lá estava ele mais uma vez. O sorriso matinal sempre no rosto. Não importava quantas vezes visse, sempre sentia uma leve vontade de rir da ironia de ter ele ali sempre. E mais uma vez ele me chamou pelo apelido que deu quando nos conhecemos, anos antes. Me lembrou de brincadeiras que tivemos juntos e de como minha vida continuava, mesmo com todos os problemas em casa, com minha família, com as notas e rendimentos, com as preocupações em ser feia, gorda, não encaixar nos padrões, ser excluída, pisada, e todas as outras coisas pelas quais passava todos os dias, com o tão conhecido sorriso. Ele fazia eu me esquecer de todas as coisas ruins que aconteciam comigo e me focar em viver um dia de cada vez, me lembrando sempre que tudo passaria e que ele sempre estaria ali para me ajudar e me dar apoio.
Olhei mais uma vez para longe, focando o horizonte. Eu estava cansada daquilo. Da minha vida. Da falta de atenção dos meus parentes, dos meus colegas nem repararem em todos os sorrisos falsos estampados diariamente em meu rosto, de tudo. Mas ele sempre estava ali pra mim. Todas as manhãs ele vinha e me ajudava. Seu sorriso doce me reconfortando junto ao calor dos primeiros raios de sol que me atingiam calmamente daquele terraço.
Sem exitar mais, virei me para ele, ainda na beira do telhado, e segurei sua mão. A mesma de todas as manhãs difíceis. Ele tomou cuidado com os meus pulsos, que ele sabia estarem cortados e doendo. Ele sabia de tudo o que acontecia comigo. Afinal, eramos amigos a muitos anos. E ele mais uma vez me saudou com seu sorriso doce e me chamou para tomar a minha sobremesa preferida antes da minha primeira aula, ainda que fosse de manhã e eu não tivesse comido nada no café. Mas disso ele sabia também. E logo depois, ele desapareceria e eu só o veria na manhã seguinte, na próxima tentativa. Lá no terraço, na beira daquele telhado, aonde ele sabia que eu iria para encontrá-lo e, quem sabe, um dia me juntar novamente a ele. Afinal, é assim todas as manhãs, desde o dia que ele, meu melhor amigo, se foi.
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Amianto
Non-FictionE lá estava eu de novo. Na beira daquele telhado esperando por ele. Para vê-lo mais uma vez. Apenas algo que eu escrevi triste, por influência do clima do Setembro Amarelo. Até então não ia ser postado, por falta de uma rede ou coragem. Mas agora tá...