Encaro o meu reflexo no espelho.
Aliso o tecido coral que cai em ondas suaves sobre o meu quadril. Tento puxar um pouco pra cima o tecido que cobria os meus seios, mas aquele decote não estava de brincadeira, acho que ele estava determinado em mostrar pelo menos um mamilo hoje.
Desistindo do decote, molho uma toalha de papel e coloco no meu pescoço, tentando me refrescar um pouco.
A tarde estava especialmente quente hoje. Não podia ser diferente, a temperatura tinha mesmo que subir no dia do casamento do Gustavo e da Tex. Sim, o meu melhor amigo estava casando com a minha versão de desenho.
Tinham se passado pouco mais do que três meses desde os incidentes com os personagens, sequestros, magia e tudo mais. Nenhum outro personagem meu tinha ganhado vida, o que era bom, mas ao mesmo tempo ruim.
E para a felicidade plena de três pessoas, os personagens que ganharam vida, ainda vivem, respiram e a cada momento que passa, estão cada vez mais independentes das amarras e trejeitos de suas criações.
Enchia meu coração quando o Lee falava ou fazia uma coisa que eu não esperava. A cada dia ele era menos uma criação minha e mais a pessoa que ele está destinado a ser.
Era assustador. Mas muito gratificante. E de certa forma, um alívio.
Enquanto reaplico o meu batom vermelho, não canso de relembrar os momentos que nos trouxeram até aqui.
Engraçado pensar que em algum momento das poucas, mas longas horas que o Gustavo e a Tex ficaram reféns do Bruce, eles acabaram se apaixonando perdidamente. Foi rápido, mas não tem como ninguém pensar que é menos do que real.
Hoje, os dois vivem plenamente livres e felizes de acordo com os seus sentimentos. Foi um namoro relâmpago, um noivado igualmente na velocidade da luz e agora já estamos no casamento.
Mas mesmo sendo extremamente rápido, foi tudo muito confuso. Principalmente para os meus pais e para os pais do Gustavo.
O meu pai desmaiou quando ele conheceu a Tex. Seria engraçado, se não fosse tão trágico. Coçou os olhos como se tudo não passasse de uma visão duplicada, mas quando pegou nos braços das duas e recebeu que éramos reais, desmaiou ali mesmo, segurando nossos braços e nos levando ao chão.
A mãe do Gustavo queria que fizéssemos um teste de DNA, para comprovar que éramos irmãs gêmeas. Mas depois descartou a ideia, já que a semelhança vencia qualquer teste. Ela estava catatônica quando nos viu pela primeira vez.
O pai dele se manteve calado, mas quase dava pra ver as engrenagens rodando em sua cabeça quando eu e a Tex estávamos juntas no mesmo ambiente. Às vezes abria a boca e parecia querer falar algo, mas sempre desistia e sorria desconfiado e assustado.
Queria dizer que a minha mãe teve uma reação extrema, mas ela reagiu exatamente como eu esperava. Ela não sentiu dificuldade nenhuma em aceitar a minha semelhança com a Tex, nem queria saber dessa coisa de DNA.
Ela colocou no coração que a aparição da Tex e do Lee era uma providência divina. Disse que não precisava de explicações mundanas para explicar o plano do Destino que estava tão claro.
Aquela foi uma das vezes que eu concordei 100% com ela.
Ela sabia que a Tex não tinha como ser filha dela, já que ela não se esquece das dores do parto, e disse que se tivesse tido mais uma filha, nunca ia esquecer, mas mesmo assim a acolheu como uma.
Eu tinha ganhado uma irmã, e estava muito feliz. Quando estava com o meu amigo, Tex deixava muito mais a amostra o seu lado meigo. Ela me pedia muitos conselhos e era legal ser requisitada assim. Impressionante como muita coisa que eu aprendi com o romance em 2D pode ser aplicado na vida real.
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Tinta Viva
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