Prólogo

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        Nossas vidas mudaram da noite para o dia.

Isso não significava que eu estava infeliz, mas a falta de opções era o que eu mais sentia falta. Como querer ser algo mais se não existia mais? Só existia aquilo que foi imposto por pessoas mais poderosas e que tínhamos que obedecer. Pessoas que mandavam e desmandavam em muitas vidas, as quais não podiam discordar ou sequer reclamar.

A monarquia fez parecer que as castas melhorariam nossas vidas, mas eu me sentia sufocada. Antes das castas éramos livres e nossas vidas dependiam exclusivamente de nosso livre arbítrio. Agora nós seguíamos uma espécie de roteiro, fazendo coisas de acordo com o lugar que deveríamos ocupar.

O mundo é daqueles que sabem aonde pertencem.

Nossa nova sociedade era feita de castas as quais seguiam a escala de Um à Oito:

A casta Um era composta exclusivamente de membros da realeza, seus assessores e familiares. A casta Dois mantinha os ricos e influentes que não faziam parte do mundo no interior do castelo. Eram ao todo artistas populares, ex-guardas – e atuais - do exército real, médicos e qualquer pessoa que mantivesse mais que seis dígitos em seus cofres particulares.

A casta Três era composta mais amplamente de professores; eram as mentes brilhantes que guiariam os adultos do nosso futuro. Após a guerra ter devastado grande parte do nosso país e levado consigo nossa história, eram poucos os números desses profissionais. Por isso a casta Três tinha a obrigação de sempre formar mais professores.

Eu e minha família fazíamos parte da casta Quatro a qual eu considerava a mais sem graça de todas. Éramos os responsáveis por fazer o país ‘andar’. Como donos de fábricas e fazendas éramos as fontes de comércio interno e externo do país. Outros Quatro mantinham pequenos comércios como hotéis e mercados. Tínhamos os lucros - que parecia cada vez menor a cada aumento na taxa de impostos – mas também pegávamos no pesado. Deveria ser por isso que nunca éramos convidados para entrar nas casas dos Três e Dois que vez ou outra acabávamos conhecendo. Devíamos ser um pouco sujos para passarmos da soleira de suas casas.

A casta Cinco era a que mais me fascinava, mesmo sendo abaixo da minha. Eram os artistas. Se minha mãe não tivesse casado com meu pai, ela seria uma Cinco, pois foi bailarina toda sua vida – até as novas leis arrancarem isso dela. Os Cinco tinham o dever de entreter e mantinham o pouco de cultura e arte que sobrara entre os destroços e o vazio deixado pela guerra. Eram os músicos anônimos, os pintores de telas, os fotógrafos e os desenhistas. Eram os responsáveis por todas as cores que ainda restavam em um país que renascia das cinzas.

As castas Seis e Sete. Eram as pessoas que precisavam sujar as mãos para manter as de outros limpas. Eram empregados, serventes, pedreiros e todos aqueles que faziam trabalhos braçais. Como estávamos nos recuperando da última revolução não havia dinheiro suficiente circulando para que todos pudessem pagar pelos serviços de um Seis ou Sete então eles sempre aceitavam um trabalho ou outro pela miséria que fosse possível receber. A única diferença entre os dois é que os Seis eram capazes de trabalhar em ambientes fechados, como empregados particulares ou cozinheiros. Os Sete não tinham escolha senão ajudar em construção de estradas, trabalhar em fábricas como máquinas humanas ou limpar banheiros públicos.

E ainda havia a casta Oito. Se os Sete limpavam banheiros públicos, o que poderia haver de pior?

Não havia.

A sorte de um Oito era encontrar algo no lixo que não estivesse com cheiro tão ruim para que ele pudesse comer.

Além das castas nos dizendo o que fazer e lugar que deveríamos pertencer haviam as inúmeras regras.

Às 21 horas nenhum cidadão de Illéa poderia perambular pelas ruas. Não importa se você é um Dois com teto acolhedor ou um Oito que dorme embaixo da ponte. Nossa obrigação era ficar longe dos olhos atentos dos guardas do rei.

Sem sexo antes do casamento; para evitar a proliferação de doenças. Mesmo?

Sem interação afetiva entre as castas. Ou seja, você não pode se relacionar com alguém de uma casta diferente da sua. Era o mesmo que dizer que você só tem um leque de opções para passar o resto de sua vida. E se eu me apaixonasse por um Cinco, por suas músicas e sua bela voz? Eu teria que simplesmente engolir o sentimento e me casar com um Quatro só por causa da casta?

A próxima regra, no entanto, era bastante contraditória em relação à anterior.

É obrigatória a inscrição de todas as garotas de Illéa, entre 16 e 21 anos, para A Seleção.

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