Estou escrevendo porque meu Pai proibiu o computador. Pra ser mais exato, ele me tirou o PC, a TV e o celular. Você faz ideia do que é isso para um garoto de catorze anos vivendo em pleno século XXI?! Provavelmente não. Não, não faz. É quase como tirar o meu ar. Agora junte a tudo isso o fato de que estou de férias. É ou não é, o fim do mundo?!
Mano, eu pensei que não sobreviveria ao primeiro dia. Mas estava enganado. A semana já está no final, e estou aqui, em plena manhã de uma quinta-feira ensolarada, bem vivo pra contar a história. A questão é que não costumo e não gosto de escrever. Pelo menos por iniciativa própria. Minha intenção é fazer o tempo correr e esquecer, nem que por um momento, a vergonha que estou sentindo. Não pretendo começar um diário, até porque acho, que isso é coisa pra menina. A verdade é que estou de castigo e não tenho o que fazer, por isso me vejo com papel e caneta nas mãos, coisas que praticamente não uso fora da escola. É, parando pra pensar um pouco, vivo uma vida mais virtual que real. Meus melhores amigos são virtuais, a maioria nem conheço pessoalmente. Eu e o Léo, meu amigo da escola, conversamos mais pelo WhatsApp do que todos os dias na aula.
Proibido de sair de casa, e de fazer quase tudo o que gosto, só me resta comer, dormir, escrever, e ler. Esse cara em quem me transformei essa semana, nem se parece comigo. Dá pra acreditar que antes de terminar a primeira semana do mês de Julho, estou escrevendo 'sem livre e espontânea pressão', e ainda reli meus gibis preferidos?!
Acha pouco?! Estou querendo dizer que em menos de sete dias, reli cerca de dois terços de minha coleção de mais de quinhentos exemplares da Turma da Mônica, e estou prestes a escrever um livro!
Quanta pretensão... rs
Apesar desses números muito impressionantes, também não gosto de ler. Mas me divirto demais com as brigas entre a Mônica e o Cebolinha, tenho muito em comum com a gulosa da Magali, e choro de rir com as trapalhadas do Chico Bento. E cá entre nós, essa é uma informação que pede sigilo absoluto! Não consigo imaginar a zoação que os manos da escola iriam fazer, se descobrissem que este é um dos meus hobbys preferidos. Apenas meus Pais e o Léo sabem disso. Aliás, toda semana escuto a mesma reclamação da minha Mãe que diz que 'isso só serve para acumular poeira!'. Apesar dos seus protestos, e com a criação da turma da Mônica Jovem, minha coleção só faz crescer. Estou atrás de dezenas de exemplares antigos, difíceis de encontrar, participo de um grupo de colecionadores, também virtual, e não me importo em gastar boa parte de minha mesada para ampliar minha coleção, mesmo que seja em um único exemplar raro. Fanático, eu?! Desta vez eu tenho que concordar. Mas essa paixão só me faz bem, diferente de minha outra paixão, essa sim, incontrolável: a comida. Bem, deixemos esse assunto para depois, porque só de pensar, já me deu fome. rs
Quem me conhece, diria que tudo isso que estou fazendo essa semana é impossível. Não neste curto espaço de tempo, e nem por iniciativa própria. Tá bom, vamos admitir que meu Chefe contribuiu, e muito, para a realização deste feito. Meu Chefe. Ele não gosta que o chame assim, prefere Pai, Carlos Eduardo, ou simplesmente Carlão, pros chegados.
Talvez tenha ficado a impressão de que ele seria daquele tipo de pai chato e brigão, mas não é, não. Ele é sempre muito sério, mas se esforça pra ser simpático e até carinhoso quando está em casa. Também não costuma me colocar de castigo, mas desta vez, confesso que exagerei. Apesar de considerar que tenho os meus motivos, sei que o decepcionei muito.
Bem, mas antes de falar ainda mais sobre mim, e sobre o que aconteceu, sinto necessidade de definir para quem estou escrevendo. Veio agora a minha mente, a imagem de Dona Carmelita, minha professora de Português, que numa de suas últimas aulas de redação, disse que esta é a primeira coisa que devemos pensar quando pretendemos escrever um texto.
A questão é que não estou escrevendo para ninguém. Não quero que leiam estas coisas. São íntimas demais! Não contaria o que pretendo escrever aqui, nem pro Léo, meu melhor amigo. Mas preciso escrever para alguém, nem que seja um 'Ninguém Imaginário'. É isso! Um 'Ninguém Imaginário', que não fala, não vê e não é de carne e osso. Assim ele não contaria meus segredos para outras pessoas e não me passaria aquele sermão ao saber o que fiz, ou melhor, tentei fazer.
Ah, tem mais um detalhe importante sobre a pessoa, ou o ser para quem pretendo me dirigir ao escrever: ele tem que ser do sexo masculino. Não precisa ter forma, nem é necessário que seja concreto. Só, definitivamente, não pode ser uma mulher. Poderia até ser de outro mundo... E independente da aparência, certamente me assustaria menos – kkkkkk...
Brincadeiras à parte, não me importo de parecer um chato, exigente, ou até mesmo machista, mas é que não consigo me imaginar trocando duas palavras com uma garota, quanto mais me abrindo desse jeito...
É, talvez, esse "Ninguém Imaginário" seja o amigo perfeito pra mim, pelo menos para esse momento.

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7 Dias de Castigo - As Reflexões de Netinho
Teen FictionNeto é um adolescente tímido, que vive mais no mundo virtual que no real. O problema é que em plenas férias de Julho, seu Pai lhe aplicou um castigo proibindo o uso de todos os seus aparelhos eletrônicos. Sem notebook, televisão e Smartphone, ele pr...