Capítulo IV - A maldição

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Na manhã seguinte, na quinta-feira, tentei a todo custo procurar Diego para contar-lhe sobre o sonho. Queria ter certeza de que isso não era somente uma loucura minha, já que aquele sonho parecia real demais para ser uma criação da minha consciência. Porém, não consegui encontrá-lo, talvez tivesse voltado para casa para pegar o colar. Na sexta tivemos algo especial, isso porque nosso professor de Geologia Geral nos levaria para fazer uma análise visual dos Cânions e Cachoeiras de Itararé, um município a quatro horas do centro de São Paulo.

Fomos divididos em dois ônibus, obviamente o nosso ônibus foi o mais animado, ainda mais com Enzo que pegou o violão que um garoto trouxe. Cantamos muitas músicas até chegar ao lindo local. Nós almoçamos, andamos por uma trilha de cachoeiras, pelo caminho encontramos várias rochas com formações interessantes, mas o que mais nos importamos era com a Cachoeira dos Bugres: um pequeno paredão que com uma caída levava essas águas a uma pequena lagoa, ali embaixo mesmo, onde pudemos aproveitar para nadar e claro que Enzo se aproveitou ao tirar a camisa para atrair algumas garotas da nossa sala; muito bonitas, diga-se de passagem. Tiramos várias fotos, tentei afogar Enzo, joguei água enquanto ele beijava uma das garotas do grupo... Foi uma aventura. Lembram-se da filosofia do quadro de arte, meus caros leitores? Ai se encontra uma das explicações de eu escolher a geologia.

Ao final do dia, depois de ver as cachoeiras e encontrar desenhos rupestres, fomos ao Cânion do Jaguaricatu, um extenso local com uma vasta mata em meio a duas montanhas; a vista, estando sentado na ponta da montanha desse cânion, era perfeita, ainda mais porque o sol já começava a se por. Estava eu ali sozinho pensando sobre toda a geologia dos meus pensamentos, enquanto Enzo conversava com outra garota. O vento passava pelo meu rosto, arrancando qualquer desespero que ficara do último dia, enquanto eu observava o sol lentamente a deitar-se com as montanhas naquele céu repintado de laranja. Enzo então se sentou ao meu lado e assim ficamos em silêncio por um tempo, impressionados com a beleza da natureza.

— E ai, Enzo, qual a melhor?

— A com cabelo escuro, com certeza.

— Estou falando das formações que vimos hoje, seu problemático — caçoei, mas já esperando aquela resposta de Enzo.

— Problemático não, vamos respeitar? — desconcertado, Enzo sorriu. — Esse cânion, claro. O professor pede aqui no roteiro de campo para a gente formular as hipóteses de formação. Já que você está meia hora sentado nesse abismo, quais suas observações?

— Na verdade eu estava pensando sobre a vida. Mas minha hipótese se relaciona com o rio Jaguaricatu que está no vale. Como houve erosão, essa região era mais alta. Talvez toda essa região estivesse se elevando há milhões de anos atrás, o que causou certo "distúrbio", isso quando o rio ainda tinha a mesma altura que toda a região. Para corrigir o "distúrbio", a região começou a sofrer erosão e o rio foi quem ocasionou essa erosão para equilibrar a diferença de altura, que foi cortando essa área até chegar ao nível de base. E aí temos o cânion.

— Muito melhor do que minha hipótese — Enzo se surpreendeu; ainda estávamos fixos para o sol ao horizonte.

— Se você dormisse menos nas aulas, iria supor isso, já que o professor deu uma ideia parecida na última aula — eu olhei para ele e levantei a sobrancelha esquerda.

— Mas acho que você só descobriu isso porque estava pensando na vida.

— Como assim? — estranhei.

— Você não disse que depois de sofrer um distúrbio, o jeito de equilibrar a situação foi o rio começar a erodir até atingir o nível inicial? Não te incomoda que para a natureza equilibrar uma situação depois de um distúrbio só pode ser feito com outro distúrbio? Isso não te lembra nada?

Ensaio de SombrasWhere stories live. Discover now