Capítulo V - Memórias de uma república velha

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Era 20 de Julho de 1762. Ali estavam os cinco, reunidos à noite naquela grande mansão construída nas redondezas da universidade. Uma república daquele nível e tamanho somente para os cinco, filhos dos fundadores, viverem próximos da universidade, deixava todos impressionados com a grandeza das famílias fundadoras. Aos finais de semana visitavam aos filhos, os quais moravam a algumas horas de cavalo. A mansão ainda estava sendo organizada com o máximo luxo possível para receber a grande festa de comemoração dos duzentos anos da fundação da cidade, que seria no dia seguinte. Seria uma grande comemoração, foi uma das primeiras cidades fundadas no Brasil. Cresceu recebendo imigrantes europeus de todas as partes, que cada vez mais se concentraram ali, enquanto outros exploravam o Brasil adentro. Abandonada pelos exploradores portugueses, os estrangeiros montaram um simples governo para organizá-la. Todos os minerais valiosos foram logo vendidos para a coroa portuguesa, em troca da segurança dos guardas do império. As cinco famílias mais ricas da cidade decidiram construir, então, uma universidade, que ocasionou em um estouro de migrações para ali.

— Essa garota com certeza é uma das piores. Isso é um absurdo! Têm noção das consequências de tal paganismo? — revoltou-se Clarice.

— Isso é inadmissível! Esta faculdade tem conceitos a serem seguidos! — exclamou Aluísio.

— Se tal acusação que fazes for correta, Clarice, precisaremos agir o mais rápido possível, porém necessitaremos de provas concretas — inferiu Joseph.

— Ela tem uma casa construída nas redondezas, podemos ir lá quando ela não estiver e pegar as provas — continuou Clarice.

— Acredito que todos concordarão. Temos que dar um jeito nela, meu pai mesmo é cristão assíduo e não iria permitir isso de forma alguma — continuou Emanuela.

— Devemos ir agora mesmo! Eu já vi essa garota, ela tem aulas à tarde, agora ela não está em sua casa — afirmou Getúlio.

Assim seguiram os cinco até a casa, levando suas lamparinas, mas tentavam não serem reconhecidos pelas carrocerias que passavam. Ao chegarem, a casa era sombria e pouco mobiliada, começaram a busca por qualquer objeto pagão.

— Venham todos aqui! Eu achei! — disse Clarice no segundo andar da casa.

Quando todos subiram, ela mostrou nas mãos dois objetos: um livro e um colar.

— Vejam! Aqui as provas! Um livro de magias e um amuleto — exclamou ela.

— Que abominação! Ela é uma bruxa! — surpreendeu-se Aluísio.

— Não devemos ter piedade — disse secamente Getúlio.

— E não teremos! Amanhã na festa ela deve ser queimada! — exclamou Emanuela.

— E assim será. Não admitiremos essa impureza em nossa universidade — determinou secamente Clarice.

Saíram da casa levando os itens antes que a garota voltasse. Ninguém havia percebido a saída deles, mas foi a tempo, já que pouco depois de voltarem à república cada um foi recebido por sua família. A ansiedade para a festa era grande, por isso todos se aproximavam da cidade. O prefeito da cidade construiu a "Praça da Luz", que comportaria todas as festividades da redondeza, principalmente essa.

No dia seguinte, a noite estava animada por todas as ruas. Muitas pessoas estavam se divertindo naquela praça, comendo nas barracas montadas, dançando diversas músicas que eram tocadas por improvisos. Na grande mansão, a elite da cidade comemorava junto ao prefeito com bebidas caras, comidas finas, dentre outras coisas. Os cinco estavam ali, procurando a todo instante aquela bruxa e logo a encontraram, fazendo-os surpresos por verem-na ali, no meio da elite da cidade. Após um longo tempo, quando todos já estavam quase cansados da festa, Clarice fez um convite inusitado: chamou todos para comemorarem do lado de fora com o resto da cidade, era necessário igualdade para a comemoração. O encontro foi impressionante, todos ali pareciam um só, sem desavenças de classes, o que importava era a comemoração. Todos os homens com suas cartolas, casacos compridos, botas e calças de tecidos lisos, enquanto as mulheres se vestiam com seus longos e volumosos vestidos, além dos chapéus mais variados. Clarice, porém, não parava de observar a garota pagã, esperando o momento certo, em que ela ficaria sozinha. Logo esse momento chegou, ela alertou seus amigos com o olhar e foi atrás dela. A garota não tinha muita estatura e, mesmo que fosse vista com olhos tortos por ser acusada de ser bruxa, era uma linda dama de 23 anos. Seu rosto tinha uma forma de linhas acentuadas e retas, dando-lhe características eslavas. Com um nariz fino e reto, olhos amendoados de um castanho forte e um cabelo ondulado.

Ensaio de SombrasWhere stories live. Discover now