Anchorage

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"Anchorage: O desejo de segurar o tempo enquanto ele passa, como tentar se segurar em uma pedra no meio de um rio com muita correnteza."

Iniciava-se Setembro e fazia muito calor na cidade de Miami. Era o primeiro dia de aula de uma menina franzina, de cabelos castanhos e olhos cor de chocolate. E ela, animada, vivia sua terceira semana nos Estados Unidos da América. O país das oportunidades.

O relógio despertou às sete da manhã, apesar das aulas apenas começar às nove. A pequena latina demorava demais para se aprontar e sua mãe sabia disso. Levantou-se, tomou banho, trocou-se e foi tomar café da manhã com sua família. Insistiu por uma vitamina de morango e ganhou para que tivesse sorte no primeiro dia. A garotinha se sentia nervosa, falava pouquíssimo do idioma e temia que as crianças a tratarem mal.

Tanto sua mãe como seu pai decidiram acompanhá-la até seu primeiro dia na sexta série. Quando o carro de segunda mão parou em frente à escola, a menina não pode evitar arregalar os olhos. Era enorme, muito diferente das escolas que já tinha frequentado quando morava em Cuba e no México. Se apressou para sair do carro mas não antes de deixar um beijo na bochecha de seu pai e mãe.

As portas estavam abertas e havia uma bela mulher negra com um grande sorriso no rosto parada no batente da porta. Ela logo notou a menininha abismada com o que via e se aproximou para ajudar.

- Qual é sua sala, querida? - Perguntou num tom sereno, sorridente.

A garota, que não sabia falar nada em inglês além das expressões essenciais como: "Água, por favor" e "Banheiro, por favor", apenas lhe estendeu um papel, onde estava escrito o número de sua sala, seu nome e o nome de sua professora.

- Obrigada, Camaila. - Estendeu a mão. - Vamos?

- Cameela - Disse numa voz travessa.

- Muito bem, Cameeeeeeeeela. - A mulher se corrigiu e fez cócegas na menor. - Me acompanhe.

Dessa vez, Camila agarrou a mão da mulher e a seguiu. Não conseguia se controlar e seus olhos pareciam ter vida própria, pois miravam em todos os cantos que conseguiam alcançar.

- Chegamos. Pode se sentar onde quiser. - Passou a mão nos cabelos da menina que entrou na sala dando passos tímidos.

A pequena Camila via muitos tipos de crianças. Asiáticas, loiras, negras e algumas até tinham a pele mais avermelhada. Algumas delas, conversavam e nem notaram a latina entrar, porém, outras viram e a acompanharam com o olhar, o que a fez apertar a alça da mochila e caminhar mais rápido. Foi caminhando até uma mesa no canto esquerdo da sala, perto da janela. Sentou-se à frente de uma menina de cabelos castanhos e atrás de um menino de cabelos dourados. Camila sempre foi uma boa observadora.

O sinal bateu e a professora começou a falar, Camila a olhava atenta tentando decifrar alguma palavra do que a professora dizia. Fez todo o esforço que conseguia, normalmente se distraía fácil, mas dessa vez nem mesmo o menino que caiu da cadeira fez com que a latina desgrudasse os olhos da professora. Apesar de todas as suas melhores tentativas, a pequena menina, falhou miseravelmente em sua missão. Não conseguia absorver, nem fazer com que as frases da professora fizessem sentido em sua cabeça. Sentiu um nó na garganta, queria chorar mas não o faria na frente de todos ali.

O tempo da aula foi passando e Camila se sentia frustrada, inútil. O sinal bateu e todos se levantaram com sacolas de lanche na mão, e a pequena pegou a sua e procurou um canto isolado no parque onde tinham várias crianças menores brincando.

Se sentou e apoiou a cabeça nos joelhos e permitiu que toda seu desapontamento escorresse pelos cantos dos olhos. Sentia-se pequena e sem valor. Odiava não estar entendendo, não conseguir nem sequer dizer "Olá, qual seu desenho favorito?" para as outras crianças. Ela tinha treinado durante à noite o que falaria para seus futuros colegas. Já haviam se passado cinco minutos do intervalo quando Camila sentiu uma mão sobre seu ombro esquerdo.

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