Sempre acreditei que tudo na vida acontecesse por uma razão. Um motivo final. E por fim, estava completamente certo. Eu não sei se o destino é um garotinho que gosta de brincar com sentimentos. Mas é isso que parece. Uma brincadeira cruel e muitas vezes mortal. Seria muito fácil vir aqui e dizer que hoje sou feliz com o grande amor da minha vida, e vivemos em uma fazenda afastada da cidade com pássaros cantando em manhãs ensolaradas e crepúsculos rosados, como se espera de um bom romance. Ou que eu dissesse que depois de tudo o que aconteceu, não ficamos juntos, mas ainda nos amamos na mesma intensidade, sofrendo pro resto de nossas vidas mundanas. Como se espera de um bom romance também. Mas na vida real, nem sempre as coisas acontecem assim. A vida é como uma árvore cheia de galhos e suas ramificações. Cada escolha, cada situação, cada pensamento ou ação, pode mudar o destino final de duas vidas. E elas podem se afastar para sempre. Essa é a realidade sem rodeios. Mas não adiantaria se eu apenas dissesse isso pra você, dando uma lição de moral e fosse embora. Mais dia, menos dia você esqueceria do que eu disse, e até mesmo de mim e do meu rosto sorridente. Por isso vou contar minha história, e se você prestar bem atenção aos detalhes, talvez não esqueça essa grande lição de vida, e talvez, só talvez não sofra o tanto que eu sofri.
Brasília-DF, dia 25 de março de 2016
Lá estava eu na parada esperando o ônibus para o trabalho. As coisas nem sempre são tão empolgantes quando se sai da faculdade. Arrumar emprego, sair da casa dos pais, independência financeira... Isso parecia mágico antes de tudo acontecer e eu apenas desejar aquilo. Mas a realidade é dura. E nem sempre o emprego é aquele dos sonhos, o salário não chega nem perto do que se desejava e a casa? Sem comentários. Desde que saí de casa, as coisas foram ficando cada vez mais difíceis.
Na casa dos meus pais, eles eram muito atenciosos comigo na maior parte do tempo, e apesar de não poder usar a roupa que queria ou chegar a hora que eu quisesse, minha vida era relativamente boa. Eu havia feito o curso de Design de Moda. Meu sonho era desenhar roupas para desfiles grandes, com grandes modelos e grandes repercussões. Que minhas roupas fossem usadas em todo o planeta, que ficassem na moda e eu seria um estilista famoso.
Mas infelizmente, o mercado de trabalho não é tão compreensivo com pessoas inexperientes, e eu consegui com muita dificuldade um emprego de atendente em uma loja de roupas no shopping. As roupas eram baratas e nada atraentes. Eram roupas para pessoas como eu. Que não tinham muito dinheiro, mas tinham que se vestir. Aí você me pergunta. Porque eu saí de casa? Não podia ter ficado lá na minha zona de conforto feliz, sem ninguém mexer comigo? Podia. Mas não devia. Por algum motivo, ainda não havia me assumido homossexual pros meus pais. E esconder isso dentro de casa era uma situação insuportável. Conviver com eles e ter que fingir ser algo que não sou... É muito difícil. E eu os amo muito. Sempre me ajudaram e apoiaram meu sonho de ser estilista.
Diziam que eu tinha um bom senso de moda, e sabia me vestir muito bem. E que se eu me esforçasse bastante, conquistaria os meus objetivos. Lembro do quanto se esforçaram para comprar meus materiais de desenho. Apesar de ter uma vida confortável, não tínhamos lá essa condição. E os materiais não eram baratos. Minha mãe trabalhou em 3 empregos, enquanto meu pai fazia hora extra no serviço, até conseguirem pagar o cartão de crédito.
Quando afirmei que queria minha independência e sairia de casa, eles ficaram tristes, mas apoiaram minha decisão. Me ajudaram na mudança, e meu coração se entristeceu com suas lágrimas na despedida. Eu queria poder assumir quem era. Mas sempre os ouvi falar mal de homossexuais, e meu maior medo na vida era decepcioná-los. Tinha medo de que não me vissem da mesma forma, ou que deixassem de me amar. E isso eu jamais poderia suportar.
Chego no trabalho cedo, como sempre, e me olho no espelho do provador da loja (o único provador). Olhava no fundo dos meus olhos castanhos, e avaliava o meu porte físico e minha roupa com atenção. Eu sou moreno, e tenho os cabelos em um topete discreto também castanho. Eu sou bem alto, e meus ombros são largos e retos. Sou magro e tenho a barriga chapada, mas minha cintura fina em contraste com meus quadris me dá um ar afeminado. Minhas pernas são finas e eu mantinha um bigode no rosto, com uma barba até então rala. A roupa que escolhi para o dia era uma calça jeans rasgada nos joelhos, e a camisa da loja, que não era tão feia assim. Era branca, com detalhes dourados. Pra diferenciar, coloquei uma camisa xadrez vinho com os botões abertos por cima dela. Até que não estava mal. Afinal de contas, não podia trabalhar em uma loja de roupas mal vestido.
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Seesaw
RomanceSeesaw é um romance gay, com uma pegada mais realista, cheio de desejo e muito drama também, porque a vida não é feita só de alegrias, né? Uma história focada no equilíbrio para que uma relação seja satisfatória para ambas as partes. E como a falta...