Eu deveria, poderia? Ter dito coisas erradas mil vezes?

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Quando ouço aquela música tocar, parece que sinto até o perfume dela... Hoje a lembrança não traz mais ódio, nem dor, mas já trouxe. Já tive raiva de qualquer coisa que me fizesse lembrá-la. Não sei o porquê, mas tenho costume de lembrar os detalhes, até as cores das roupas que ela vestia...

Era final de ano quando a conheci, ela apareceu do outro lado da rua e ficou me olhando, estava com a Lilian. Naquele dia não a reparei muito bem, mas lembro que estava com um vestido azul e eu: com pressa! Ia sair com os amigos, o Beto veio me buscar; entrei no carro e fui. No dia seguinte, Lilian me disse que a tal do vestido azul queria me conhecer, logo marquei com ela um encontro para sábado à noite, mas, por descuido, esqueci de ir. Eu não tinha responsabilidade, estava com apenas 17 anos, no meu primeiro emprego, juntando grana pra carta de motorista... E muitos roles.

Nessa época, meus pais estavam se divorciando, minha casa era um verdadeiro inferno! O que eu mais queria era estar fora dela. Estava começando a experimentar bebidas, algumas drogas e muito rock n' rool. Relacionamento amoroso eu nem cogitava... O casamento dos meus pais era a prova viva do que eu não queria para mim. Minha mãe traiu meu pai e eu odiei ela por isso! Minha irmã, estava cada dia mais parecida com ela. 

Esqueci a garota do vestido azul, mas ela não me esqueceu. Passou a frequentar a casa da Lilian, e ficava sempre na calçada me olhando. Aos poucos, comecei a reparar que era bonita... Tinha longos cabelos pretos, olhos castanhos claros e um belo sorriso. Pensei "Que se foda, vou catar essa menina!"

Por aqueles dias rolou uma festinha ali na Lili, cheguei lá e fui direto cumprimentá-la, ela ria sem parar, de certo estava fingindo estar bêbada, típico de adolescente que nem sabe beber. Apresentei-me:

          - Beleza!? Meu nome é Caio. E o seu?
          - Ana Lis...
           - Vamos sair daqui!? 
Ela respondeu me dando sua mão e eu logo pensei "pronto! agora eu atravesso a rua, levo ela pra minha casa, precisamente para minha cama"! Mas, ela travou no portão, sentou-se no chão e começou a falar sem parar! Perguntou da minha vida inteira! Eu, sem graça, fui respondendo...

          - Caio, quantos anos você tem? 

          - 17.

          -  Você mora aqui com seus pais?

          - Com o meu pai.

          - Cadê sua mãe?

          - Eles estão se divorciando... 

          - Que triste! Meu pai está trabalhando fora e eu sinto muito a falta dele!

Ela não parava de falar...

Blá, blá, blá. Pensei "Puts! Que garota chata! Como faço pra me livrar dela?" Beijei ela e quando ela tentava voltar a falar, eu a beijava novamente, e assim sucessivamente por alguns longos minutos, até que ela começou a passar mal e pediu para eu levá-la embora. 

No dia seguinte esqueci dela, assim como esquecia de todas as outras, e parece que elas gostavam de ser esquecidas, porque ai sim elas insistiam em ser lembradas! E no final da tarde, como de costume, lá estava ela do outro lado da rua. Abanou com a mão, cumprimentando-me. Combinamos de nos encontrar novamente no final de semana, e pra variar, eu esqueci outra vez! Fiz isso mais umas quatro ou cinco vezes, e por incrível que pareça eu realmente me esquecia... Eu tinha muitos outros rolos pra me preocupar...

Foi então que em um dia desses a encontrei na escola. Ela também havia se transferido para o período noturno, porque estava trabalhando. Fomos embora juntos naquele dia, e em alguns outros também. No portão de casa a gente se beijava, e eu sempre tentava levá-la pra dentro, mas ela era irredutível. Acostumei com a ideia de beijá-la no portão, e até estava gostando, tanto que já não me importava mais se ia conseguir levá-la para dentro.

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