Shadow Of The Crown

Desperta-te

Você está girando sobre seus próprios pés, em torno de si mesmo sem nem reparar que este teu movimento é ininterrupto. Os convidados aplaudem seguindo o ritmo harmonioso da flauta tocada por ninguém menos que o próprio Apolo. Comemora suas duas décadas completas de vida, com direito a presenças divinas. Mas não é nessas pessoas em que se concentra, é no homem de espessos cabelos grisalhos que traz nas rugas de sua alegre expressão um sorriso terno. A mão desliza para o alto de suas costas, a outra firmemente agarrada a sua, valsando em círculos lentos.

Tudo está perfeito.

As risadas dos convidados, os cochichos admirados, o olhar de sua irmã transbordando carinho em meio aos visitantes animados.

A luz dos grandes lustres alcança todo o salão, iluminando desde quem se perdeu nas abundantes mesas de petiscos até o par de dançarinos no centro do espaço. No alto da escadaria curva, um velho ancião espreita em silêncio, assistindo a grande festa sob o capuz de veludo escuro, o rosto enrugado escondido pela sombra que a veste lhe concede.

Jovens rapazes tentam a todo custo impressioná-la, seja com seus trajes caros ou com gracejos. Sua felicidade é encantadora. Você não os quer. Você tem tudo. Tem sua família, sua riqueza e seus deveres como futura Rainha. Tem a admiração de grandes mulheres influentes, essas que ao longe elogiam sua montagem. O cabelo castanho caindo ondulado sobre seus ombros estreitos. Seu longo vestido prateado, alças rendadas que ameaçam cair para o topo dos braços, o discreto decote em v em renda floral, enfeitado com minúsculas pedras de diamante na saia plissada. O rei não ficou para trás em sutil elegância, esbanjando beleza em seu uniforme militar branco, decorado com suas diversas medalhas honrosas.

Em meio a tudo isso, está seu protetor. Que a mira com tanto amor que você poderia esquecer de qualquer receio. Os olhos castanhos de Dongwook procuram Yeri quando sente a cabeça de sua primogênita lhe tocar o ombro, num abraço caloroso de gratidão. Assim que o encontra, o desvia imediatamente, temendo ser flagrado pensando no que está prestes a fazer.

O Mundo também está girando, te desequilibrando e, tarde demais, você percebe não estar mais em sua festa perfeita repleta de convidados perfeitos. Está tentando desesperadamente se lembrar quem é e pescar qualquer pista em suas memórias. Não há luz, nem música e nem um perfume caro e viril acariciando teu nariz. Mas há escuridão, há uma multidão sem rosto e há plangor, calor infernal e répteis escorregadias e frias. Escamosas cobras verdes que prendem a circulação de suas pernas, braços e pescoço num abraço mal intencionado. E há teus gritos de dor, que ninguém escuta.

Quando as memórias finalmente a atingem de voltam, todas elas se parecem com lindos contos imaginados pela mente fértil de uma infeliz criança.

- Desperta-te.

O Universo não está atento a quem trapaceia e toma atitudes baseadas em egocentrismo. Ele está disposto, junto à memória fresca de Cronos, a dar quantas chances forem precisas pra'queles que vivem com desejo ardente de se tornarem melhores que ontem e terminantemente melhores que hoje, visando sempre o melhor para si através do que for melhor para todos. Por isso, hoje, Bae Joohyun renasce em busca do Trono que lhe pertence e, claro... vingança.

Ar adentrou as narinas da mulher a caminho de seus pulmões, o tronco vibrou em satisfação. O coração voltou a pulsar com todo seu orgulho, bombeando sangue e cores quentes para o belo rosto e corpo. Sangue esse que lhe foi cedido pelo próprio Plutão, por ordem de sua esposa. As bochechas inflaram avermelhadas, os fundos vincos escuros sob as pálpebras desapareceram. Olhos cinzentos que antes pairavam franzidos sobre a morena saltaram e o homem deu passos tortos para trás, notando a diferença sobrenatural no cadáver. Ele quase desmaiou tamanho fora o susto.