Quando Raffe abriu os olhos, estava trovejando lá fora.
Mexeu-se na cama, procurando uma posição confortável com os olhos fechados, queria desesperadamente voltar a dormir antes que seu pai entrasse no quarto para acordá-lo. A julgar pela escuridão que viu de relance do lado de fora da janela, ainda deveria estar cedo demais para levantar, de qualquer forma. Mas ― um trovão ecoou lá fora ―, ao que tudo indicava, aquela seria uma manhã chuvosa.
Raffe cobriu o rosto com o cobertor e se moveu na cama novamente, tentando pegar no sono.
Tarefa difícil aquela, ele bem sabia. Toda vez que acordava durante a madrugada ou começo de manhã era raro conseguir adormecer outra vez. Mas ele queria tanto voltar para aquele sonho que, de forma brusca, tinha sido interrompido. No sonho, ele e o namorado Jim estavam num rochedo em frente ao mar vendo um pôr do Sol magnífico que, num piscar de olhos, se transformou em uma noite de céu limpo onde as estrelas brilhantes se moviam no céu de forma surreal, como purpurina num globo de neve.
Depois da consciência tomar conta definitivamente, as lembranças do sonho foram desbotando até que, quando Raffe desistiu de tentar voltar a dormir, restara apenas a lembrança do braço de Jim envolvendo seu ombro. Mesmo que quisesse que o sonho se tornasse real ― e ele realmente queria ―, tinha o pressentimento de que Jim declinaria o convite, pois não era raro ele dar desculpas para não sair com Raffe em público.
No começo do namoro Raffe havia entendido aquilo como um estranhamento da parte de Jim pelo fato daquele ser o primeiro relacionamento de ambos, e eles ainda não estavam familiarizados com a relação. Mas foi só depois de terem completado um mês juntos, quando Raffe propôs que comemorassem passando a noite na balada e Jim recusou, que o garoto começou a imaginar coisas. Não demonstravam nenhum tipo de afeto que ultrapassasse os limites na escola, condição imposta por Jim, tampouco andando na rua ou em qualquer local onde as pessoas pudessem vê-los.
Sempre que questionado, Jim argumentava que não queria exposição, apenas isso. Raffe tinha deixado de insistir no assunto depois do incidente na casa de Jim em que, em um acesso de raiva, o namorado empurrou-o contra a parede do quarto. Não gostava de recordar. Depois daquilo, Raffe tinha aprendido uma porção de coisas sobre Jim; O namorado se irritava facilmente e, quando se deixava levar pela cólera, tornava-se outra pessoa, uma pessoa agressiva e violenta.
Raffe não conseguia entender o porquê de Jim se preocupar tanto com a exposição, sendo que seus pais sabiam sobre sua orientação sexual e não se importavam com aquilo. No entanto, aquilo entristecia Raffe. Será que Jim tinha vergonha dele?
Balançando a cabeça, Raffe afastou o cobertor do rosto e deitou-se com as costas contra o colchão, aquele tipo de pensamento sempre acabava deixando-o paranóico. Viu um clarão do lado de fora da janela e, logo na sequência, ouviu o estrondo característico. Aquilo poderia ser fantástico, ele pensou. Aquela atmosfera que os dias chuvosos proporcionavam era algo que o encantava desde sempre, adorava a sensação do frio contra a pele, e naquele dia seria exatamente como ele gostava.
De súbito ouviu batidas leves contra a porta do quarto. Hora de começar dia.
― Raffe, hora de levantar. ― Anunciou seu pai com a voz rouca de sempre. Então a porta rangeu e uma fresta, pela qual o Sr. Grunt enfiou a cabeça, foi aberta. Ele olhou para Raffe. ― Jim está aqui. Não demore.
Foi quase instantâneo. Ao ouvir o nome do namorado ser pronunciado pelo pai, o garoto quase saltou da cama, repentinamente eufórico. Quando a porta se fechou novamente, Raffe, que havia se controlado para não saltar da cama literalmente, afastou o cobertor para longe e se levantou com a maior disposição. Imediatamente sentiu seu corpo ser engolido por um frio leve, não muito desconfortável. Vestia apenas o short escuro que usava para dormir, o qual foi parar no chão assim que se lançou debaixo do chuveiro. Deixou que a água quente escorresse pelo seu corpo por alguns minutos, não queria demorar demais e deixar que a ansiedade o devorasse por dentro.
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Doce Insegurança
Short Story"Raffe tinha aprendido uma porção de coisas sobre Jim: o namorado se irritava facilmente e, quando se deixava levar pela cólera, tornava-se outra pessoa. Uma pessoa agressiva e violenta." "Doce Insegurança" é o retrato de uma mente jovem e imatura v...