Capítulo 1

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        - Tânia desce aqui, rápido! – era a voz urgente de minha mãe.

Desci o lance de oito degraus que minha família considerava escada – mas eu não – para acabar na entrada da cozinha. Era uma cozinha pequena, apertada demais para mais de dois corpos transitarem por ali. Mas a necessidade fez com que, de alguma forma, sempre coubéssemos.

- Preciso que me ajude com essa travessa – disse ela sem me olhar, suas mãos ocupadas com algo que parecia pesado demais para seus braços finos.

Dona Elena. Não imagino que houvesse – em sua época – bailarina mais bonita. Sua pele, mesmo com a idade, parecia seda e era a uma das poucas provas de sua antiga vida. Seus cabelos, porém, eram opacos e alguns fios brancos insistentes brilhavam contra a luz que vez ou outra refletia em sua cabeça. Seu corpo pequeno parecia frágil comparado ao meu, mesmo que a distância entre nossas idades não fosse tão grande. Seus braços eram finos e cobertos do que restava de uma musculatura que algum dia devia ter sido resistente. Tinha o pescoço longo e pernas que deveriam ser adoráveis por baixo de todo aquele tecido velho. E um brilho no olhar que nunca se apagava, não importava qual estado ela se encontrasse.

Já eu, parecia um homem. Costas largas, ombros altos, cintura quadrada e pernas grossas. Eu não serviria para ser bailarina, nem se eu quisesse.

O que estava fora de cogitação de qualquer forma, já que eu era uma Quatro.

Os Quatro como nós serviam como ponte entre as necessidades das castas Três e Dois e os serviços dos Seis e Sete. Tínhamos fábricas, hotéis, restaurantes, mercados. Não fazíamos trabalhos de limpeza como os Seis e Sete, mas o tratamento que recebíamos dos Três e Dois não diferia muito do tratamento que os Seis e Sete recebiam.

Meu pai possuía uma fábrica de tecidos. Não eram tecidos nobres. Geralmente eram usados por fábricas de roupas para castas inferiores à minha. Não tinham brilho, textura ou cor. Serviam mesmo para afastar o frio.

Estávamos numa fase de mudança a qual devíamos nos acostumar. Com a queda da economia e o aumento da população nas castas Seis, Sete e Oito, os dias não estavam sendo muito bons para o negócio da família. A maioria das pessoas preferiam comprar coisas de segunda mão para terem mais dinheiro para comida. Às vezes tinham que escolher entre comer e se vestir.

Não era uma briga justa.

- Britânia! – minha mãe falava um pouco mais alto. – Não está me ouvindo?

É claro que não estava ouvindo. Me perdi em pensamentos enquanto ajudava-a conforme me pedia. Minha habilidade para me desligar do mundo para conversar comigo mesma estava mais forte que nunca ultimamente.

- Desculpe – respondi sincera.

Ouvi minha mãe bufar. Mas o fato de ela ter voltado a falar significava que o assunto era realmente importante. Ela havia deixado seu orgulho de lado para dar continuidade ao assunto. E isso era raro.

- Ouvi no noticiário ontem que a Seleção acontecerá – não havia expressão em sua voz – dentro de um mês.

Senti todo o sangue fugir de meu rosto e se esconder nos membros mais próximos.

Com aquele dom de me desligar do mundo, minha memória me levou há algumas semanas atrás.

                                                   ❛ Flashback On ❜

- Preciso que faça algo por mim – meu pai estava sério. – Por todos nós.

George já não era de muitas brincadeiras normalmente. Poucas vezes eu o via sorrir e quando isso acontecia, grande parte das vezes era pra minha mãe. Não que ele fosse rabugento. Mas nossa vida, mesmo que não pudesse sequer ser comparada com à de um Seis ou Sete, já teve dias melhores.

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