Capítulo 1 – Movendo peões (Ariel)
Algum tempo depois...
- Quantos faltam? Disse displicentemente para meu agente.
- Apenas trinta – ele conferiu um bloco de anotações em suas mãos – mas temos ainda dez finalistas e dois amigos formados.
- Já passaram pelo ritual? Eu pergunto sorrindo, discretamente.
- Sim – virou sua cabeça para me olhar - ainda precisam da sua nomeação para o Batismo.
Ele me olhava com receio. Nunca gostei dessa parte no meu cargo. Receber ingressos, previamente selecionados por agentes infiltrados em todo canto do mundo, era como dar passagem ao inferno. Eles faziam a mínima ideia de que qualquer vida era melhor que as que tinham. O que não sabiam é que estavam abrindo mão de muito por quase nada. E eu era indiretamente responsável por tirar-lhes tudo.
- Eles escolheram que nível? Minha ansiedade aumentava exponencialmente quando chegávamos a essa parte. Eu escolhi o meio termo, mas vi e observei alguém próximo de mim escolher a entrega total, a renúncia de si para viver como outro.
- O rapaz tem um bom currículo, mas perdeu todos os companheiros combatentes quando estava em uma missão pela OTAN. Não tem pais, nem irmãos. Viveu em um orfanato militar até os 16 anos. Ele decidiu esquecer apenas os últimos meses...
Um aventureiro, eu pensei. Mas se ele havia passado nos testes iniciais e feito a prova final, teria uma chance na ADA. Do contrário, ele passaria novamente pelo corredor do Dr. Anteverus.
- Mande o entrar.
Folheei enquanto isso as páginas do arquivo do sujeito. Eram confidenciais, enviadas pelo Exército e algumas bases internacionais que serviu. Em cada lugar ele adotou um codinome diferente. Mas eu achei bem peculiar que na primeira foto ele parecia um garoto nerd em seus óculos de armação de acetato.
Minutos depois, entrou um sujeito corpulento, com algumas cicatrizes no peito ocultas pela fina camiseta preta que vestia. Eu avaliei sua estrutura antes de pergunta-lo:
- Nome?
- Soldado Lt. Doom, Senhor!
Fixei meus olhos em sua foto, grampeada no formulário e conferi novamente o homem que estava de pé na minha frente.
- Você mudou um pouco, não soldado?
- Eu trabalhei dois anos no fronte do leste europeu, Senhor!
- E por um caso eles deixaram de servir comida e passaram a injetar anabolizantes?
- Não Senhor!
Sorri, sutilmente, diante de sua resposta inadequada a minha pergunta. E terminei a entrevista mais breve que podia:
- Muito bem, soldado - fechei a pasta e a coloquei de volta no arquivo da sala - você passará a integrar a ADA nos próximos meses, indicado por um dos nossos amigos, e por aqui, não existem codinomes adquiridos na patente militar. Prefere reassumir seu nome de nascença ou gostaria de escolher outro?
Ele pareceu pensar, balançando a cabeça levemente. Depois de endireitar seus ombros, respondeu:
- Prefiro ser chamado de Gabriel, Senhor!
Que ótimo. Mais um "anjo" para minha unidade. Acenei pensativo para ele e fiz sinal para sair da sala.
Eu detestava a estrutura da ADA no Brasil. Havia portas e janelas, mas sempre me davam uma sensação contrária: o sentimento de prisão. Eu comecei ali, e tinha um estranho sentimento de que terminaria ali também.
- Gostaria de ver nosso último amigo formado? Jay J me perguntou novamente, com o mesmo tom estranho que havia começado nossa conversa mais cedo.
Eu estava exausto das reuniões que tive com alguns representantes do Conselho. Tudo por causa daquela maldita carta, que continuava a nos ser enviada de todo lugar do mundo, nem percebi que ainda faltava um para minha entrevista.
- Que entre logo – acenei displicente.
Ele segurou a porta fechada por alguns segundos, como se receasse abri-la para deixar o formado passar. Ele devia estar tão cansado quanto eu, pois desde que se tornou praticamente meu assessor pessoal, sofria todas as pressões que meu cargo trazia, todos os dias.
Peguei a pasta fechada do próximo candidato a ADA, mas me recusei em abri-la. O outro candidato não era nem de longe o que a Ficha informava e pela primeira vez, gostaria de tirar minhas próprias conclusões.
Virei de costas para observar o sol se pondo de longe. Um pouco mais afastada da base estava a grande Cidade de São Paulo. Estrategicamente posicionados, ficávamos a distância de apenas uma hora do centro e ainda mais perto do Porto de Santos.
Ouvi quando a porta se abriu e passos leves entraram no lugar. Eu permaneci na posição esperando que o sujeito pigarreasse ou começasse a se mexer em seus pés. Mas nada aconteceu. Era provavelmente um sujeito paciente, do tipo que espera o próximo passo para iniciar o seu.
Eu estava curioso, no entanto, queria forçar sua posição passiva um pouco mais. Comecei a dizer bem pausadamente:
- A ADA é um lugar para homens que tenham paciência suficiente para aguentar a pressão – parei para ouvir algum comentário, mas como permaneceu em silêncio, continuei – no entanto, a educação deve ser mantida, para que quando entrar em uma sala, se apresente dizendo seu nome, soldado.
Ouvi quando soltou sua respiração pela primeira vez dentro da sala e depois, sua voz encheu todo o ambiente de uma só vez:
- Não sou um homem, Diretor.
Eu me virei rapidamente, sentindo o coração subir pela minha garganta enquanto encarava a pessoa na minha frente. Não podia ser, em nenhum mundo isso poderia ter acontecido!
Minhas mãos se apertaram na estrutura da mesa de madeira, arranhando toda a superfície por baixo.
- O que diabos você faz aqui? As palavras atropelaram minha mente e saíram sem que eu pudesse controlá-las.
Ela me olhou confusa, esperando alguma explicação, mas continuava em sua postura fria e distante. Eu folheei várias páginas de seu arquivo de uma só vez, tentando encontrar as respostas que giravam em meu cérebro, mas eram apenas borrões de imagens e fotos suas em diversas companhias de ballet. Até que eu virei uma última foto, no qual seus pais apareciam mortos em acidente de carro. Uma pequena centelha de compreensão apareceu em minha mente e vislumbrei uma possível causa para a escolha de assumir "essa vida":
- Sinto muito por seus pais, Nadja – eu sussurrei, evitando assustá-la.
Ela me olhou de volta ainda mais confusa e friamente respondeu:
- Meu nome é Alena, Senhor.
Bastou segundos para que eu entendesse o que se passava em sua mente. Eu queria confrontá-la, ergue-la pelos braços ou quebrar todos os objetos que estavam na minha frente. Mas tudo que fiz, foi dizer:
- Pode sair, agente.
Ela atravessou a porta com a precisão de uma dançarina. Deslizou o mais rápido que pode, levando com ela todo ar que havia na sala. Assim que a porta se fechou, eu a tranquei por dentro e destruí tudo que havia ao meu redor.
Eu tinha me controlado desde que eu a encontrei, o que eu não sabia era que a parte mais importante de tudo em nós, acabaria sendo a minha própria ruína.
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Gabriel
Gizem / GerilimEle tinha um segredo. Ela, um passado. Livro 3 - Série Ripper Publicação semanal. Início: 01/02/2018