Assim que saímos da van, um dos funcionários do parque já veio nos receber. Como já havíamos ligado para nos informar sobre o local e suas regras, já sabiam que viriamos, e aquele homem já estava prontificado a nos receber.
— Sejam Bem-vindos ao Parque Florestal Elderwood. Meu nome é Thomas, mas podem me chamar de Tom se quiserem. Serei o breve orientador de vocês... — ele simplesmente não parava de falar, mas boa parte das instruções que ele nos passava ali mesmo eu já havia lido no site do parque. O que me chamou mais a atenção foram dois fatores.
Primeiro: Nós estávamos em um local isolado, aonde a cidade mais próxima era a nossa, a 80 km dalí, e por mais que eu olhasse em volta, não havia postes de luz. Eles haviam desaparecido em uma curva na estrada a algum tempo atrás enquanto vínhamos, mas era estranho demais não haver serviço elétrico para a central de segurança e monitoramento do parque (uma casa de dois andares atrás do nosso informante, com a pintura toda desbotada de verde e branco sobre as paredes de madeira rígidas).
A segunda coisa que me chamou atenção é que segundo o site, o parque recebia centenas de visitantes naquela época do ano, mas fora a nossa van e uma pick-up antiga cor de fuligem próxima à casa, não havia mais nenhum veículo no estacionamento.
– Segura ae! – Disse Troy... Tarde de mais. A garrafa de vodka se estilhaçou no chão perto de mim. Fiquei tanto tempo meditando sobre aqueles pontos que mal percebi quando o orientador se foi e começaram a descarregar a van.
– Você é doente cara? Essa merda podia ter quebrado em mim!– Disse, com a raiva após o susto.
– Relaxa irmão, fui eu mesmo quem pagou por ela– Disse ele com o riso solto. Assim que Anna passou por ele rindo da situação, ele puxou ela pelo braço e deu mais um beijo molhado. Olhou pra mim e piscou – Tem muito mais de onde veio essa quebrada. Quem sabe hoje não seja o seu dia de sorte Jon.
A forma como ele falou me deixou com uma sensação estranha, mas logo eles voltaram a se atracar, e qualquer sensação de seriedade sumiu alí mesmo.
–Já armem logo uma barraca pra vocês, ninguém quer ver de onde vem os bebês agora.– Falou Susan enquanto retirava algumas mochilas da van. Jogou uma para mim– Enquanto eles se comem, você pode perguntar ao orientador aonde conseguimos água potável aqui? Não quero fazer trilha amanhã desprevenida.
– Mas por que eu? Eu ainda tenho que arrumar as varas de pesca.
– Por que você é mais simpático que o Troy e o Alan está resolvendo a nossa volta com o motorista.
De repente ela fez aquele sorriso... Eu sempre me senti estranho quando ela sorria pra mim. Um sorriso que ficava entre tímido e mais ousado. Como se ela quisesse me dizer muito mais do que um "por favor".
–Ok... Eu vou.
– Sabia que podia contar com você, Jon. – Piscou para mim com seu olhinho puxado e voltou a mecher nas nossas coisas.Caminhei até a casa de madeira e entrei. Era bem iluminada por dentro, mas ainda tinha um cheiro velho e poeirento, como se fosse suja. Mas a casa era limpa apesar de tudo, limpa até demais. Minuciosamente limpa. Logo percebi que a parte de baixo funcionava como a recepção do local, com um balcão, uma sala de arquivos e tudo o mais, então deduzi que a parte de cima servia como alojamento para o orientador.
A curiosidade me abateu enquanto vasculhava com o olhar a sala de recepção, pois era recheada de quadros de diversos lugares do parque, principalmente de fotos com os próprios visitantes. Alguns seguravam peixes nas mãos enquanto sorriam próximos a um grande lago, outros pareciam se divertir em grupos enormes atravessando uma das trilhas da floresta em uma tarde tranquila. Quando cheguei próximo a um quadro pequeno, com o busto de um homem em preto e branco, fiquei vidrado. Seu retrato era estranho demais, antigo demais, e havia até uma plaquinha na moldura que dizia alguma coisa... Mas estava riscada. Comecei a analisar melhor o quadro quando ouvi os passos atrás do balcão.
– Posso ajudá-lo?– Era Tom, o orientador. Agora que eu havia reparado nele melhor, percebi que existem extremos opostos no mundo. Ao contrário do nosso imenso motorista, gordo e careca, Tom era extremamente magro, alto e de cara lisa, com o cabelo repartido ao meio, um pouco ruivo.
– Haa sim... Eu gostaria de saber aonde posso conseguir água para os cantis. Planejamos fazer trilha amanhã.
– Entendo. Vocês podem usar as duas torneiras atrás da casa, a água é boa.
– Obrigado...
– Por nada.
O tom dele era o mesmo de quando nos passou as orientações no estacionamento,cordial e neutro. Ou ele era muito educado ou era um robô. Mas com certeza era estranho.
Por causa disso, estranhamente senti liberdade para fazer aquilo:
– Tom, uma pergunta...
– Fique a vontade.
– Quem é aquele homem do quadro mais alto?
Ele olhou de relance para o retrato. Não parecia muito interessado em manter o contato visual com a imagem ou mesmo comigo. Pude reparar também que ele parecia estar suando, mesmo com o ventilador de teto ligado sobre nós.
– O nome dele é Willburn Elderwood. Foi o fundador e idealista do parque. Nós evitamos falar sobre ele.
– Mas por que?– Perguntei com a curiosidade ainda mais acesa.
Sua feição pareceu mudar de repente. Ele parecia surpreso por eu ter feito a pergunta, como se ninguém nunca antes tivesse chegado ao ponto de poder fazê-la.
Ele puxou um pequeno banco de madeira pra si, assim que sentou ascendeu um cigarro e começou a falar em um tom mais contido.
– Des de quando comecei a trabalhar aqui, os funcionários mais antigos evitam falar no assunto... Sabe, existe uma lenda em cima dessa floresta que sempre chega aos ouvidos de qualquer novato no quadro de funcionários. Você não tinha que ir buscar água?
– Só vamos pra trilha amanhã – Olhei pela janela satisfeito em ver que a van ainda era descarregada. Me encostei no balcão. Era um sinal de curiosidade.
– Certo... Então como dizia... Todos os funcionários ouviram falar dos interesses relacionados ao velho de rico Willburn Elderwood. Aos olhos do Estado, ele era apenas um filantropo milionário e naturalista, que lutava pela preservação do meio ambiente e blá, blá, blá...– Seu tom ficou mais sombrio daí em diante– Mas dizem que suas ideias eram muito mais tortas e diferentes do que o resto das pessoas imaginava. Ele investiu uma fortuna para construir a reserva em torno desta floresta gigantesca. O governo ofereceu uma quantia para apoiá-lo, afinal, ele estava fazendo todo o trabalho deles. Mas ele recusou... Disse que cuidaria da reserva sozinho e sem problemas conseguiria manter e proteger tudo. Isso foi por volta de 1950.
– E depois?
– Bom. Com o tempo, o local se tornou não apenas uma reserva ambiental, mas alguns de seus pontos mais amplos foram abertos para visitação, e logo, nasceu também o Parque Elderwood. Mas os mais próximos e conhecidos do Sr. Elderwood acreditavam que por mais grandiosa e nobre que fosse sua ideia de construir e manter o lugar, sua sanidade parecia questionável.
– O que tem de tão louco em preservar a natureza?
– Nada a primeira vista, mas a partir do momento em que você investe um milhão de dólares em uma mansão no meio de uma floresta das mais densas possíveis, você começa a ser visto, no mínimo, como um milionário excêntrico.–Disse com um sorrisinho sarcástico–
Reza a lenda que a mansão foi construída sem nenhuma trilha ou estrada para sair ou chegar até ela. Que os construtores e engenheiros foram muito bem pagos para manter tudo no mais absoluto sigilo e esquecer o assunto quando terminassem, e que somente Willburn sabia a localização exata da sua mansão.
– E... O que aconteceu depois?
– Ele adentrou na mata e simplesmente sumiu.
– Assim do nada?
– Do nada. Desapareceu completamente.
– Ninguém se envolveu? Nem a polícia?
– As autoridades foram chamadas. Três meses de buscas, mas nada, nem mesmo a mansão, foi encontrado.
Ele olhou para a porta antes de continuar. Não parecia querer mais ninguém ouvindo.
– Conforme o tempo passou e o parque continuou ativo, coisas aconteceram... Turistas sumiram, veículos sumiram, funcionários sumiram. Alguns acreditam que isso tem a ver com o sumiço do velho Elderwood.
Engoli em seco. Já era sinistro demais saber de toda uma lenda assim de cara sobre um lugar em que nunca viemos. Mas minha curiosidade ainda tinha uma ponta acesa.
– E... E por que riscaram o nome dele no retrato?
Ele sorriu pra mim, um sorriso contido de satisfação. Se levantou e se dirigiu para as escadas do segundo andar.
– Vá buscar sua água. O registro é fechado às 18:00.
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Raízes Despertas
TerrorUm grupo de amigos em busca de diversão e tranquilidade em um parque ambiental. Talvez a calmaria desperte interesses incomuns entre o grupo ou desperte coisas mais frodundas quanto as raízes no solo.