Capítulo cinco: Ellie, a Jane para o meu Tarzan

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Um belo dia estava raiando, meus olhos já não aguentavam mais, minhas pálpebras estavam cansadas, as pestanas não suportando ficar longe uma da outra, elas tocavam-se quando eu não resistia. Aconcheguei-me mais ao galho em que eu estava, o desconforto de estar na mesma posição tomava conta dos meus músculos doloridos. Meu rosto descansa no galho enquanto os braços e as pernas jazem soltos, em cada lado, em um abraço aberto na árvore. Tudo ao meu redor começa a ficar borrado, pouco a pouco a leveza do sono me consome, entorpecendo-me. Não posso dormir, principalmente de dia, no entanto, foi inevitável. Eu apenas apaguei.

— Como podem ter deixado 00 fugir? Incompetentes!

— Deseja que continuem as buscas Doutor?

— Ela deve estar chegando em Hollys nesse exato momento, contate o xerife, se eu quiser algo bem feito eu mesmo terei que fazer.

Ouço ao fundo dos meus sonhos a conversa, na palavra "doutor" me desperto totalmente, abro meus olhos, pronta para correr pela minha vida se necessário. eles estavam a poucos metros de mim, conversando dentro das grades que cercavam o prédio.

Foco minha total atenção no doutor, ele é tão belo quanto maligno. Seus cabelos são de um louro acinzentado, seus traços faciais suaves, parecidos com os de Ellie, mas ela era gentil comigo, deixava-me assistir TV, e às vezes trazia bolo de chocolate escondido para mim, é claro que o doce vinha todo despedaçado, pois os funcionários eram revistados, e tudo era inspecionado na saída e entrada. Os bolos chegavam todos despedaçados por causa da intensa revista, porém não deixava de ser saboroso. Já este homem era maligno, via as novas espécies com ar clínico, sem emoções ou piedade, sua empatia inexistente.

Há tempos fui transferido para essa nova instalação. E Ellie ficou para trás, a única pessoa boa que cuidou de mim. Por isso, sabia que havia um mundo lá fora, pessoas boas e gentis, no entanto nunca tive oportunidade de ver, meu transporte era uma gaiola com grossas barras de metal. Se sei algo bom da vida é pela bondade dela, que sempre teve paciência para me ensinar e esbanjar esperança.

Em uma tentativa de me ensinar a ler, ela levou a ideia ao doutor, para apresentar aos compradores nossa espécie, nós deveríamos mostrar o quão inteligentes poderíamos ser, o quanto poderíamos aprender, não só força física e reflexos, mas habilidade cognitiva, informações para nos dar as armas certas para tomar decisões importante se assim necessitarem. Eu nasci com problemas no útero e eles concordaram que eu era a melhor opção para a pesquisa, já que não havia outro "uso" para mim. Já as outras cobaias tinham outros deveres.

Preferia não pensar que outros deveres eram esses, apesar de saber.

Ela recebeu duas horas por dia comigo, me trouxe livros, principalmente infantis e até uma TV, que infelizmente só passava filmes e reportagens pré-aprovadas pela equipe do doutor. Ellie me salvou de ser descartada, achando uma utilidade para mim.

Nela e em 006 eu pude confiar, esse pensamento era forte o bastante para mim não ficar surpresa ao saber que o xerife local era corrupto, a maioria dos humanos era indiferente ao sofrimento do seu próximo, eles só se importavam com dinheiro e poder. Almas boas como Ellie eram uma exceção, não a regra.

Um ruído estranho sai do meu estômago.

Minha barriga abre um processo me acusando de negligenciar por falta de comida, e o processo dura o dia inteiro, mas fujo do tribunal para dar uma volta com o senhor Sol. A sensação totalmente quente dele tocando minha pele é divina. Eu posso aguentar, talvez até três dias se essa luz quente continuar seu trabalho em mim.

Por várias vezes tento me ajeitar no galho, que agora está muito desconfortável. E assim passo o dia.

A lama secou totalmente no meu corpo e cabelo, toda vez que me mexo cai alguns bolinhos de lama duros no chão. Fico preocupada que eles tenham meu cheiro o suficiente para me entregar aos cachorros. Felizmente nenhuma equipe a pé foi enviada atrás de mim.

Ao anoitecer uivos e grunhidos mais fortes do que antes se ouvem saindo das paredes, nunca alguém tinha conseguido fugir e ficar vivo, meus olhos transbordam lágrimas, eles, de alguma forma, sabem que estou por perto e sinto que me mandam fugir na intensidade dos uivos dos caninos e rugidos dos felinos. Meu próprio rugido vem à garganta para me despedir, quero muito esbravejar de volta com toda minha capacidade vocal. Sei que eles entenderam o porquê de eu não fazer.

Vou ser egoísta por deixá-los, mas quando voltar eu prometo que vou libertar todos.

Vou ser egoísta por deixá-los, mas quando voltar eu prometo que vou libertar todos

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