1. Uma Mulher na Madrugada

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Eram duas da manhã quando estava a passar numa rua para ir para casa, estava a seguir o meu caminho, tinha ido a uma festa de aniversário da minha amiga e como não havia transportes a essa hora, fui a pé, eram só 13 quadras, já tenho 16 anos, não tenho medo de nada, ou pelo menos achava quando passa uma rachada de vento levantando o meu vestido preto, olhei para todos os lados para verificar que ninguém tinha visto nada demais, fui pelo caminho todo a segurar o vestido, confesso que estava com muito medo de aparecer algum estrupador ou algo do tipo, andei por uns 5 minutos quando o meu telefone toca, era minha mãe:

-Onde estás? Estás a brincar comigo? Não vais mais sair ouviste? - gritava muito alto enquanto eu afastava o telefone para não ficar surda.

-Estou a chegar mãe, tem calma.

-Tem calma? Só tens 16 anos e não anda ninguém a esta hora na rua! - gritava ainda mais alto.

Desliguei o telefone e senti algo a dar voltas na minha barriga, minha visão ficou desfocada, minha garganta fervia e subia alguma coisa por ela, inclinei-me e quase caí, tirei os sapatos altos e fui descalça até um canto onde vomitei, sim, ninguém é perfeito, bebi sim, e muito, mas consigo chegar a casa. A calçada estava gelada e era muito rugosa, pedras e pedras de diferentes texturas e tamanhos, só queria chegar a casa, estava triste e comecei a chorar, aconteceu uma coisa na festa que não sei a quem contar, talvez a ninguém, há duas horas atrás estava na festa de Diana e o irmão gêmeo dela empurrou-me para o quarto dele e forçou-me a fazer o que não queria, ele violou-me. Só de pensar nisso não me aguento, estava sem forças, bebada e incapacitada, não conseguia fugir, quando ele acabou bateu-me e ameaçou-me, se contasse alguma coisa ele ia dizer aos pais dele que a irmã, minha melhor amiga Diana estava grávida, saí do quarto a correr e agora estou aqui, não posso contar o que ele me fez, Diana é minha amiga e se os pais dela soubessem aquilo....
Dei mais outra vomitada, estava muito mal, parecia querer desmaiar, já não sabia por onde andava e já tinha 34 chamadas perdidas da minha mãe, peguei no telefone para ligar a dizer que estava a chegar quando senti algo, uma força maior, seria a tristeza? A bebedeira? Os segredos? Não.
O telefone caiu e embateu contra o xisto da calçada, estava paralizada, tinha alguém à minha frente, uma mulher, pálida de cabelos negros, ensaguentada e com uma fita enrolada na boca, parecia querer falar comigo, mas não conseguia, só apontava, eu tenho um dom, só minha mãe sabe mas eu vejo, falo, ouço e sinto espiritos desde criança, mas aquela mulher era muito forte, transparecia uma tristeza e queria falar comigo, derrepente meu telefone vibra, pego-o do chão, era minha mãe e quando olho para a frente já não está lá mais ninguém, seria insônia ou algo sobrenatural? Corri até casa como um raio, estava mesmo com nuito medo, nunca senti algo assim, o caminho parecia nunca ter fim, só pensava na imagem daquela mulher na minha cabeça.
Estava a chegar a casa quando pisei num vidro, caí, estava a sangrar, mas a minha força era maior e fui até casa, bati à porta desesperadamente e quando minha mãe abriu, saltei até ela e abraçei-a, ela fechou a porta e levou-me até ao sofá, ela viu que se tinha passado alguma coisa e foi buscar um copo de água com açucar para me acalmar, bebi-o e comecei a tremer.

-Filha, o que aconteceu? Eu disse para teres cuidado, não vais sair mais! Quem te fez mal? Vou chamar já a policia! - dizia a gritar e preocupada enquanto tratava da ferida do meu pé.

-Na..a..aoo chaaaa..mes a po.po..oli..cia - dizia enquanto chorava e tremia.

-Tu estás bebada? - gritava.

-Sss...iiii.mm - dizia com medo.

Ela bateu-me e levou-me para a cama onde finalmente "aterrei".
Abro os meus olhos e olho para o relógio, já se passaram duas horas, levantei-me e fui tomar banho em plenas quatro da manhã, tirei a minha roupa, vomitei mais umas três vezes enquanto enchia a banheira, finalmente, entrei nela, afundei como se estivesse no céu, relaxei um pouco mas ainda estava a tremer, o que tinha visto não era real, era assustador, desde criança que só via espiritos, no inicio minha mãe não acreditou, eu via e brincava com muitas crianças, ajudava elas a encontrar a luz, mas aos meus 9 anos meu pai morreu e apareceu para a minha mãe, foi aí que ela começou a acreditar em mim, eu nunca o vi mas sei que ele está a olhar por mim, lembro-me de todos os nossos momentos juntos, queria tanto que ele estivesse aqui, herdei o dom dele, sei porque há 2 anos a minha avó teve em coma e em estado grave, quando lhe visitei no hospital ela acordou, ela disse para herdar muito bem o dom da familia e que ela e meu pai estarão sempre a proteger-me, mas que eu não posso ter medo e terei de ajudar os outros do lado sobrenatural, "não sei se estou preparada", depois de uns 5 minutos ela morreu, bem à minha frente.
Tirei o penso do meu pé e mergulhei a cabeça sobre a água para relaxar, passado uns segundos estava a tentar voltar à superficie, mas não conseguia, umas mãos estavam a fazer peso no meu pescoço e não conseguia me levantar, queria me matar, abri os olhos e vi uma figura, não era a mesma que vi hoje, era um homem, um homem muito feio, sem olhos e com uma pele cheia de hematomas, foi assim que vi atrás dele uma figura, outra, era aquela mulher que vi hoje mais cedo na rua, mas estava sem a fita na boca, ela gritou e os dois desapareceram, e por fim acordei na minha cama, olhei para o despertador e eram sete da manhã, não estava bem disposta para ir à escola, e a minha mãe entra no quarto desesperadamente:

-O que aconteceu? -diz ela

-Tive um pesadelo, hoje não vou à escola, pode ser? -perguntei

-O que é isso? -ela questiona enquanto aponta para o meu pescoço.

Eu abaixo a cabeça e me deparo com aquilo, tinha o pescoço todo roxo como se alguém me tivesse esganado e tentado matar-me a noite toda, estava assustada, aquilo não foi um sonho, corri e tranquei-me na casa de banho, minha mãe veio atrás esmurrando a porta 50 vezes:

-Deixa-me entrar! Vou chamar um psicólogo, estás a ficar maluca! -gritava.

-Deixa-me sozinha! -tapava os ouvidos e escondia a cabeça entre as pernas.

De repente ela parou, e nos meus ouvidos ainda ouvia o grito forte, estridente e assustador daquela mulher, mas foi aí que me lembrei, mas ela não tinha a boca presa com uma fita quando a vi? Será que só na minha casa é que ela consegue falar ou gritar? Só sei que aquele homem assustador tentou me matar e que ela me ajudou, seja lá quem ela for, e aquilo não foi um sonho, foi uma passagem para o outro mundo.

-O que querem de mim? -gritava, enquanto fazia eco na casa de banho inteira.

Acho que estou a ficar maluca, saí e fui para o meu quarto e liguei desesperadamente à Diana:

-Por favor, vem ter comigo -disse a chorar.

-Mas o que se passa Bre? -preocupada interrogou.

-Vem rápido, eu acho que estou a ficar maluca -gritava.

-Ok, já estou a ir para aí.

A minha mãe entra no quarto com uma bandeja:

-Sumo natural de laranja e panquecas com manteiga de amendoim como tu adoras. -disse, enquanto me entregava a bandeja.

-Não quero! -gritei e reneguei a bandeja.

-Tu estás a ficar muito mal criada, come já ou vou ter que chamar a policia para ver o que se anda a passar contigo! -ameaçou-me.

Ela saiu e bateu a porta com muita força, estava com muita fome, então, fui comer. Estava uma delícia, ouvi a porta principal a bater, finalmente, minha mãe foi trabalhar, observo o meu pescoço e vejo que já está normal, acho que preciso de descansar mais um pouco, deitei-me e tirei um pequeno cochilo.

-Hey... -disse Diana enquanto me balançava para acordar.

Acordei com um pulo e o coração a mil.

-Como entraste? -questionei.

-Hello... -disse sarcásticamente.

-Pois, esqueci-me que tens uma cópia das chaves -ri.

-O que aconteceu? Porque não vais à escola e ligaste-me rapidamente preocupada? -questionou enquanto sentava ao meu lado na cama.

-Ontem vi uma coisa.... -disse com medo e já a cair-me uma lágrima só de falar no que tinha acontecido.

-Na minha festa? Pois, bem parecia, sais-te a correr e o meu pai ia te dar boleia lembras-te? -perguntou.

-Ah... não, desculpa, podes ir para as aulas, eu só estou bebada. -disse enquanto lhe dava um abraço.

-A sério? Chamaste-me para quê? -diz iludida.

-Ah... Porque sonhei que ia namorar com o Harry -inventei.

-Hahahah, o teu "Crush" , vai que ainda dá certo, eu ajudo-te a apoio-te sabes... -ri.

-Claro, hahah, e tu... já sabes o que vais fazer ao bébé? -disse preocupada.

-Não contaste nada a ninguém pois não? -questiona preocupada.

-Claro que não, eu adoro-te e faço de tudo para te ver feliz -disse a sorrir.

-Bem... Eu acho que vou abortar, mas primeiro tenho que falar com o Johnny, ele é o pai. -disse Diana.

-Sim, acho melhor conversarem com calma, e mais ninguém sabe pois não?

-Contei ao meu irmão, sabes, eu confio muito nele -disse com muita confiança.

-Ok, acho melhor não te atrasares mais... -mudei rapidamente o assunto para não falar daquele violador e ameaçador.

-Concordo, falamos depois, beijos -disse enquanto me abraçava.

Ela sai de casa e eu mando-me para a cama de barriga para baixo e penso em tudo o que esta a acontecer, é surreal, é assustador, mas como minha avó disse, "Não posso ter medo de nada, os vivos são mais perigosos que os mortos, e seu eu tenho um dom, é para usar e ajudar".

Não tenha medo da escuridão (2018)Onde histórias criam vida. Descubra agora