Capítulo seis: Os anjos não são frágeis e bonitos?

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Na madrugada observo o céu, nuvens cinza escuro banham o céu, pairando sobre a floresta, o cheiro úmido de chuva me diz que vai chover logo, logo. Ter minhas pegadas cobertas pela chuva era minha melhor pedida para continuar minha jornada com segurança.

Aproveito a oportunidade para tirar esses sapatos mostardas horríveis, dentro do calçado, também, há terra pregada nos meus pés, arranco-o e o amarro pelo cadarço na árvore, humanos tinham gostos duvidosos, esse troço atrapalha a escalada e é desconfortável, ainda bem que eu não iria mais precisar dele.

Caso a moça do tempo estivesse errada e não chovesse, as pegadas de sapato poderiam confundi-los, agora não preciso mais do calçado, pois finalmente desistiram das buscas ao redor da propriedade. E a chuva está prestes a cair.

Desço da árvore tentando ajeitar uma mexa desobediente e dura atrás da orelha, balanço o rosto, mas o cabelo duro vai e volta na mesma intensidade. Minhas mãos ainda estão firmadas no tronco ao chegar na base da árvore, tenho medo de tocar o chão e tudo que passei até agora ser apenas um sonho.

A terra ainda está úmida e me preparo para tornar meus pés oficialmente livres nela, sonho ou não aproveitarei cada milésimo de segundo. O modo como sinto a terra em meus pés não tem explicação, chega a ser um pecado de tão bom. Ronrono enterrando-os ainda mais na lama macia.

Aguço meus sentidos tentando ouvir algo, nenhuma equipe me procurava mais, pelo visto achavam que eu já estava na cidade, ou partido pra bem longe adentrando mais a floresta.

Já estava na hora dos meus instintos assumirem, sei qual direção seguir pelo cheiro de coisas queimadas. Corro pela mata perto da estrada, mas não tão perto assim, meu olfato me guiara para uma pequena nascendo no caminho, me farto de água e continuo minha jornada.

Será que 006 obteve um vislumbre de liberdade assim? Queria que ele estivesse aqui para sentir o vendo em seus cabelos brancos, a mata macia sob seus pés, o conforto que as árvores me traziam, me dando sentir protegida.

ㅡ seja meu anjo da guarda ㅡ murmuro para mim mesma ao lembrar da nossa promessa, desejado que ele estivesse aqui para ouvir. Nós teríamos as costas um do outro, eu estaria lá para protegê-lo, eu não o deixaria morrer, não sozinho. Meus olhos marejam ao pensar em 006, seu largo sorriso pregado em minhas memórias. Em nossos nove anos, ele disse que era mais provável eu ser o seu anjo, pois ele se achava áspero demais, segundo ele, todos os machos da nossa espécie eram parecidos com ele. Altos, largos e engraçados? Eu duvidava da última conclusão.

ㅡ Os anjos não são frágeis e bonitos? Tem que ser você ㅡ sua voz grave e arrastada pelo cansaço dos muitos remédios que ele era obrigado a tomar e lhes faziam mal. Eu sinto sua falta 006. Suas mais erguem dentre as celas e tocam minhas mechas de cabelo coloridas e logo descem para minha bochecha.

ㅡ Eu não sou frágil, venha para mim e chutarei sua bunda ㅡ respondo carrancuda. Seus olhos azuis, quase brancos, semicerrou para mim.

ㅡ É o que eu mais quero, ir para você ㅡ sua voz soou triste, em seus últimos dias ele repetia o mesmo processo várias vezes ao dia, tocando meu rosto e meus cabelos. Se eu soubesse que nunca mais iria vê-lo, teria criado uma memória de suas feições e textura sob meus dedos também.

Sinto-me tão cansada, a corrida por um longo período esgotou-me, e pensar em 006 sempre me deixava melancólica. O sol já dava indícios de aparecer, quando vejo a poucos quilômetros casas e mais casas, nenhum ser vivo a vista. Saio abruptamente para a estrada principal fascinada, só tinha visto pela TV mas pessoalmente tudo é lindo.

Meu foco está nas cores vibrantes dos poucos prédios. Observo tudo com fascinação. Eram altos como eu imaginava, e seu espelho refletia a noite e as coloridas luzes da cidade.

A vontade de vê-los melhor me fez adentrar na estrada pavimentada, a visão, os sons de risadas, conversas e buzinas fez meus lábios declinarem em um sorriso, não me lembro da última vez que sorri genuinamente.

Ellie murmurou uma vez, em que ela estava empolgada me ensinando história, e foi interrompida, pois as duas horas haviam acabado, ela resmungou um: "Alegria de pobre dura pouco". Eu acho que ela estava certa.

Ouço uma freada de carro e depois tudo fica nublado, era oficial, uma felina pega desprevenida por um carro, clichê, não?

"Me proteja, meu anjo da guarda"


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