Eu empalideci com a visão dele chegando até próximo a gaiola.
O caminho de obscuros cultistas se fechava atrás dele enquanto Tom, o orientador, vestido como seus colegas, desamarrava as cordas que prendiam aquela fera de olhos vermelhos que eu já conheci tão bem no passado. A porta da gaiola foi aberta e fechada após sua entrada. Éramos só Alan e eu, e eu sabia o que aquilo significava.Ele estava sem camiseta ou blusa, e eu podia ver que ele havia passado por problemas talvez piores, observando os cortes e escoriações por todo o seu peito, braços, pescoço e mãos. Apenas o seu rosto era intacto, com o único sangue presente na cor daqueles olhos furiosos que me oprimiam.
Eu estava com medo, mas piorou. Tinha como piorar. Sempre tem.
– É tudo culpa sua...– Disse numa voz grossa, com os dentes cerrados.
– Alan... A Anna, pegaram a Anna...– Tentei manter-me firme no lugar e não desviar o olhar, na esperança de que minhas palavras diminuíssem a expressão de ódio em seu rosto– Ela... Ela foi pega, tenho certeza... Precisamos sair daqui...
– Sair daqui?.. – Após dizer isso, uma risada de deboche saiu de sua boca, e ele rodeou o local com os olhos– Acabou Jonas. É o fim da Susan... É o meu fim.
– Não é o fim! Nós podemos sair dessa juntos... Como no colégio lembra? A gente se virava e ajudava um ao outro no que não...
Não... Não pude terminar a frase. De repente minha cabeça doía e eu estava zonzo, prensado contra as grades da cela com o cotovelo dele esmagando minha garganta. Seus olhos faiscavam como chamas diante os meus.
– Isso foi com o Alan! O imbecil do Alan que confiou em você! Que achou que vocês eram amigos!!!
Ele começou a me esmurrar no estômago com a outra mão. Realmente, percebi o por quê ele nunca foi o melhor atleta do nosso ano atoa. Ele era muito forte, e a cada soco, eu imaginava meus órgãos estourando em sangue lá dentro. Merda de imaginação.
Fui arremessado no chão e recebi um chute na costela que me fez saltar e urrar de dor.
– Levanta Jon!!! Mostre para eles, para todos o merda que você é!!!
Não sei quantos socos eu levei na cabeça, só tive força para contar o primeiro. Quando consegui manter o equilíbrio, minha visão estava tão vermelha quanto os olhos dele.
O sangue escorria quente pela minha testa, enquanto ele olhava de pé para mim, com os punhos fechados, esmagando meu sangue neles.
Se abaixou e levantou a minha cabeça com as mãos, até ficarmos cara a cara. Eu sentia meus olhos começando a formigar, o inchaço estava próximo, e até a minha boca tinha gosto de sangue.
– Al...Alan... Eu...
Ele chegou bem próximo ao meu rosto.
– A Susan morreu por sua culpa. O Troy morreu por sua culpa. Eu estar aqui é sua culpa e o fim... – Suas mãos começaram a apertar meu pescoço– que você vai levar... Também é sua culpa!!!
Seu grito ecoou pela caverna enquanto me estrangulava. Era agoniante ver seu rosto furioso ficar mais distante e o da morte bem mais perto. Afinal, éramos amigos, e eu havia errado com ele... Mas aquele não era o Alan.
Consegui reunir um resquício de força e usei-a toda no joelho que levantei entre suas pernas. Ele me soltou na hora, urrando, mais de raiva do que dor.
Eu não podia vacilar. Eu havia errado com o Alan, mas eu sabia que de alguma forma, o corpo e os sentimentos ali dentro eram dele... Mas a essência do cara bom, amistoso e pacífico que eu conheci, já não estava mais ali... Era outra coisa, e isso eu não iria permitir.
Antes que ele pudesse levantar, eu já estava em cima dele. Sabia que ele era mais forte, mas o elemento surpresa era o meu trunfo. Montei nele e ambos caímos no chão. Fiquei por cima e apliquei quantos socos e outros golpes pude em sua cabeça. Começamos a ficar parecidos... E eu só parei quando ele estava ficando pior.
– Me desculpe Al...
Sangue escorria junto a poucas lágrimas do meu rosto, enquanto eu olhava para a face deformada e ensanguentada daquele que já foi um bom amigo. Os seus olhos abertos já não eram mais vermelhos, mas azuis como o mar que seduziu muitas garotas com a bondade e carisma de seu portador.A gaiola se abriu e dois membros da seita carregaram seu corpo para fora.
Eu não sabia mais o que esperar. A fúria cresceu em mim. Me fizeram de mártir ao perder três pessoas que eu conhecia. Um colega... Um amor... Um irmão.
Não iria recuar. Depois de certas coisas na vida, nós passamos a nos afastar do medo e nos aproximar da completa insanidade.
Eu avancei para a porta da gaiola e antes que um deles a fechasse realmente, eu esmaguei sua mão entre a batente e a porta.
Achei que os outros membros correriam ao seu socorro enquanto ele gritava de dor no chão ou me pegariam, mas ninguém se movia, apenas olhavam para mim. Eu saí da cela e dei a volta, em direção ao altar.
O sacerdote careca, que compreendi finalmente como o líder daquele culto insano, me esperava de braços abertos. Sua pela era bem mais enrugada, próxima a tanta luz de várias velas, e as manchas do tempo também se faziam presentes.
Já não havia a faixa cobrindo sua boca, o que revelou seus dentes incrivelmente pontudos, como os de um tubarão.
Sua semelhança se tornou cada vez mais clara para mim.
– Você testemunhou a verdadeira dor. A incredulidade, o desespero, o remorso, o ódio. A dor sobrevive de outras formas de sentimentos, mas ela é única e inigualável em sua presença na vida de cada um de nós.
Mas hoje... Todos testemunhamos a sua dor.
Ele desceu degrau por degrau do altar, e de dentro de seu manto, retirou um cristal de formato estranho. Era parecido com uma estrela de diversas pontas, talvez umas quinze ou vinte. Ele brilhava... Mas sua luz era negra... Um brilho de escuridão...
Ele a estendeu para mim. Eu a toquei, sem saber o que estava fazendo.
Eu dei início ao despertar
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Raízes Despertas
HororUm grupo de amigos em busca de diversão e tranquilidade em um parque ambiental. Talvez a calmaria desperte interesses incomuns entre o grupo ou desperte coisas mais frodundas quanto as raízes no solo.