16 - Temperamento que sobe, atitude que desce

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Marcelo, ciente do seu dever como segurança, colocou as mãos na cintura e estufou o peito. Manteve os dedos próximos ao cabo do cassetete, mostrando-se um homem grande e malhado, com o logotipo Stalker saltando do uniforme, e com uma expressão que, supunha, não apenas intimidava, como também impunha respeito.

Não gostou de ter um visitante silencioso encostado na entrada da sua portaria. Para os possíveis clientes da imobiliária, seria uma visão estranha e suspeita, capaz de afugentá-los para as imobiliárias concorrentes. Já para o dono da Landschaft, seria motivo de desconforto, pois sua aparência idosa, mesmo inspirando fragilidade, traria-lhe insegurança.

Crimes de quadrilhas organizadas, em grande parte compostas por senhores aposentados, todos ex-assessores parlamentares e ex-servidores municipais, eram noticiados a cada semana. Crimes que não seriam suplantados tão cedo, já que seus integrantes, movidos por falsa retórica, justificavam-se dizendo:

“Não somos foras da lei. Somos profissionais cumprindo com nosso trabalho. O governo brasileiro foi nossa faculdade. A aposentadoria, nossa cerimônia de graduação. E como tal, somos agora funcionários vitalícios da Cooperativa Antieconômica da Insegurança Nacional. Não tentem desumanizar os princípios dos nossos tutores, cujos ensinamentos são aprimorados na Praça dos Três Poderes. Pois se eles, nossos tutores, estivessem errados, por que estariam esbanjando sucesso, poder e influência social? Por que seriam chamados de líderes do nosso país?”

O que tinham de ilícito, também tinham de fanáticos. E como já dizia o ditado: macaco velho não aprende truque novo, e nem muda de atitude. Motivo pelo qual Marcelo, informado de tudo isto, assumiu uma postura passivo-agressiva diante do estranho.

O idoso, até então ocupado em desafiar Daniel com os olhos, percebeu a ameaça silenciosa do segurança. E já que este tinha uns 30 quilos a mais em músculos, resolveu lidar com ele primeiro, dizendo em tom ofendido:

— Como assim “posso ajudá-lo”? Que pose é essa? Não me reconhece mais, seu ingrato?

— Huh?

Marcelo tirou a mão da cintura e desfez o ar de musculoso, perdendo seu efeito intimidatório. Reconheceu a voz daquele senhor, mesmo que sua aparência não lhe dissesse nada.

— Seu... Paulo Nogueira?

— Quem mais, seu virjão bombado?

— Oh, desculpa, Seu Paulo! O... o senhor está diferente.

Paulo Nogueira, na casa dos 66 anos, usava boné de aba reta, óculos com armação amarela e... aparelho dentário com elástico verde. Vestia camiseta polo da grife Crocodilo Tenista, e calçado de corrida da marca Aquático Wave, ambos os itens, em décadas passadas, consumidos apenas pela classe média, e que agora, em 2060, caíram no gosto e no bolso das massas.

Marcelo, sabendo que o ofendeu, e certo de que isto poderia lhe custar o emprego, tentou se redimir. Entre sorrisos e paparicos, disse:

— Que... que bom vê-lo novamente! Veio falar com o pessoal do marketing?

— Não. Eu vim te assaltar, como você mesmo adivinhou!

— Imagina, eu não pensei em nada disso. Sou um péssimo adivinho.

— E vai ser um desempregado ainda pior, se posar de pitboy na minha frente outra vez!

— O senhor entendeu errado, Seu Paulo. Eu só estava...

— O quê? Tá me tirando pra burro também, seu vacilão?

Carolina, com uma mão apoiada no balcão, memorizou as gírias de Seu Paulo. Para ela, tinham um significado especial.

Já Marcelo, assustado e submisso, baixou a cabeça e voltou a se sentar. Em tom reconciliatório, disse:

— Imagina, Seu Paulo. Respeito muito o senhor. Ontem mesmo estava dizendo pra Carolina, minha colega aqui, o exemplo de superação que o senhor representa pra mim.

— Sei.

— De coração. Não é verdade, Carol?!

Carolina, sentindo a batata quente em suas mãos, e ciente de que Marcelo estava mentindo, tentou acobertá-lo respondendo:

— Pois é. Atrás desse peito de ferro, Marcelo tem um grande coração de carne. E esse coração bate pelo senhor.

Tanto Marcelo quanto Seu Paulo reagiram mal.

— COMO É?

— Eu... quis dizer que Marcelo tem muito afeto pelo senhor...

— COMO É QUE É??

— … como se fosse um pai, ou um padre.

— …

— Um padre castrado e assexuado.

— !!!

Seu Paulo, agora incomodado, sentindo-se exposto, resolveu seguir para o elevador dos clientes, dizendo:

— Avise a Fernanda que já cheguei, e que quero o boleto deste mês me esperando na mesa! Não quero ficar nem mais 1 minuto aqui!

— S... sim senhor!

— Sorte a de vocês terem a Fernanda como empregada. É a única que presta por aqui! Se ela não fizesse uma propaganda tão boa para minha loja, vocês nunca teriam meu dinheiro! Ah, leléqui!

Antes de seguir adiante, Seu Paulo parou na frente de Carolina, apontando o dedo em sua cara, dizendo:

— Ainda mais você, sua racista! Eu sei o que anda falando para o povo!

— Mesmo? Ora, quem diria.

— Quem diria o quê?

— Para um procriador veterano, você diz palavras nada lisonjeiras para uma pônei de raça.

— …

— Eu esperava uma paquera melhor de um cowboy recauchutado.

— Oh, você terá algo melhor de mim. E não será uma paquera.

Então, passando por ela, continuou até o elevador, dedicando-lhe um olhar torto, pretensamente ameaçador, e resmungando com orgulho:

— Não olha pra cá. Quem tá passando é o bonde!

Carolina, memorizando novamente a gíria, não desviou os olhos. Manteve-se firme e desafiadora, pouco preocupada com possíveis consequências com seu chefe, e mais atenta ao logotipo desenhado nas costas do boné de Seu Paulo.

Era um círculo inspirado no símbolo yin yang. Uma metade era marrom, enquanto a outra era branca. Ambas se misturavam, como se tentassem coexistir.

Para Carolina, era como um objeto sendo visto por cima. Como se fosse...

"Uma xícara de café com leite."

                                                             * * * *

Novos capítulos dia 07/06, as 22:00, horário de Brasília.

O vlog de Carolina e o feriado antecipado no calçadãoOnde histórias criam vida. Descubra agora