- E é por isso, dr. Lash, que sinto vontade de desistir. Não há nenhum homem disponível. E, quando eles ainda estão solteiros na casa dos 40, é óbvio que há alguma coisa errada: são homens asquerosos, rejeitados, doentes, que outras mulheres não quiseram e chutaram para fora. E que elas também deixaram sem um tostão. Os últimos três homens com quem saí não tinham aposentadoria. Nadinha. Quem é que vai respeitá-los? O senhor respeitaria? Aposto que o senhor está fazendo uma boa reserva para sua aposentadoria, não é? Ah, não se preocupe, sei que o senhor não vai responder. Estou com 35 anos. Acordo pensando: trintão mais cinco. Metade do caminho. Quanto mais penso no meu ex, mais me dou conta de que ele acabou comigo. Destruiu dez anos da minha vida, os dez anos mais importantes. Dez anos... não consigo tirar isso da cabeça. Foi um pesadelo e, agora que ele se mandou, eu acordo, olho em volta, estou com 35 anos e a minha vida acabou: todos os homens decentes foram fisgados
[Alguns segundos de silêncio.]
- Por onde andam seus pensamentos, Myrna?
- Estou pensando em ter caído numa armadilha... pensando em ir para o Alasca, onde a proporção entre homens e mulheres é melhor. Ou para a faculdade de administração... lá a proporção é boa.
- Fique aqui na sala comigo, Myrna. Como foi estar aqui hoje?
- Que quer dizer?
- O mesmo de sempre. Tente falar do que está acontecendo aqui, entre nós.
- É frustrante! Mais uma paulada de 150 dólares, e não me sinto melhor.
- Então, hoje eu falhei de novo. Aceitei seu dinheiro e não a ajudei. Diga-me uma coisa, Mena, veja se...
Com uma freada brusca, Myrna deu uma guinada para desviar de um caminhão que a fechará, entrando em sua faixa. Acelerou, ultrapassou-o e gritou:
- Babaca!
Parou a fita e respirou fundo algumas vezes. Meses antes, após os primeiros encontros, seu novo terapeuta, o dr. Ernest Lash, havia começado a gravar as sessões e a lhe dar a fita para ouvir antes da outra semana, quando ele estivesse a caminho da sessão seguinte. Toda semana ela devolvia o cassete e ele gravava a nova sessão sobre a antiga. Era uma boa maneira, dissera, de ela usar o tempo no trajeto entre Los altos e São Francisco. Myrna não tinha tanta certeza. Para começar, as sessões tinham sido frustrantes, e ouvi-las pela segunda vez só trazia mais frustração. O caminhão, alcançando-a, piscou os faróis, pedindo passagem. Parando no acostamento, ela xingou o caminhoneiro, que lhe fez um sinal chulo. E se ela sofresse um acidente, por estar distraída ouvindo a fita? Poderia processar o terapeuta? Ferrá-lo num tribunal? Essa ideia lhe pôs um sorriso nos lábios. Inclinando-se, Myrna apertou a tecla de rebobinar por alguns segundos, depois a tecla play.- Fique aqui na sala comigo, Myrna. Como foi estar aqui hoje?
- Que quer dizer?
- O mesmo de sempre. Tente falar do que está acontecendo aqui, entre nós.
- É frustrante! Mais uma paulada de 150 dólares, e não me sinto melhor.
- Então, hoje eu falhei de novo. Aceitei seu dinheiro e não a ajudei. Diga-me uma coisa, Myrna, veja se consegue repassar a sessão que fizemos e responder a esta pergunta: o que eu poderia ter feito hoje?
- Como é que eu vou saber? É para isso que o senhor é pago, não? E muito bem pago.
- Sei que você não, Mena, mas quero que mergulhe em sua fantasia. De que modo eu poderia tê-la ajudado hoje?
- O senhor poderia ter-me apresentado a um de seus pacientes solteiros e ricos.
- Você está vendo "Agência de Encontros" escrito na minha camiseta?- Seu cretino - resmungou ela, apertando o botão stop. Eu lhe pago 150 paus por hora para ter essa bosta de gracinha?
Apertou rewind e tornou a reproduzir o diálogo.- ... eu poderia tê-la ajudado hoje?
- O senhor poderia ter-me apresentado a um de seus pacientes solteiros e ricos.
- Você está vendo "Agência de Encontros" escrito na minha camiseta?
- Não tem graça, doutor.
- Não, você tem razão. Desculpe. O que eu deveria ter dito é que você fica muito longe de mim, longe de dizer qualquer coisa sobre como se sente a meu respeito.
- O senhor, o senhor, o senhor. Por que são sempre os meus sentimentos a seu respeito? O problema não é o senhor, dr. Lash. Não vou namorá-lo, embora talvez pudesse tirar mais proveito disso que do que estamos fazendo.
- Vamos repassar as coisas, Myrna. Você me procurou, originalmente, dizendo que queria fazer alguma coisa a respeito de seus relacionamentos com os homens. Logo na primeira sessão, eu disse que a melhor maneira de ajudá-la a examinar as suas relações com os outros seria nos concentrarmos em nossa relação, aqui mesmo neste consultório. Este espaço aqui do consultório é, ou deveria ser, um lugar seguro, onde espero que você possa falar com mais liberdade do que em outros lugares. E, neste lugar seguro, podemos examinar o modo como nos relacionamos. Por que isso é tão difícil de entender? Então, vamos examinar de novo seus sentimentos a meu respeito aqui.
- Eu já disse: isso é frustrante.
- Procure tornar isso mais pessoal, Myrna.
- Frustrante é pessoal.
- Sim, de certo modo, é pessoal, porque me fala do seu estado interno. As coisas giram em círculos na sua cabeça, eu sei. E também giram em círculos quando você está aqui. E eu fico zonzo com você. E sinto a sua frustração. Mas a palavra frustrante não me diz nada sobre nós. Pense no espaço aqui entre nós. Tente permanecer nele por um ou dois minutos. Como está esse espaço hoje? Que tal seu comentário, minutos atrás, sobre tirar mais proveito de sair comigo do que da terapia?
- Eu já lhe disse: nada. O espaço está vazio. É só frustração.
- Isto, o que está acontecendo agora, neste momento, é exatamente a coisa que me refiro quando digo que você evita um contato real comigo.
- Estou confusa, perdida.
- Nosso tempo está no fim, Myrna, mas experimente uma coisa antes de pararmos: o mesmo exercício que lhe pedi para fazer umas duas semanas atrás. Apenas por um ou dois minutos, pense em alguma coisa que você e eu poderíamos estar fazendo juntos. Feche os olhos; deixe aparecer uma cena, qualquer cena. Descreva-a à medida que for acontecendo.
[Silêncio.]
- O que está havendo?
- Nada.
- Force um pouco. Faça acontecer alguma coisa.
- Está bem, está bem. Eu nos vejo passeando juntos. Conversando. Pego sua mão e o levo para um bar de solteiros. O senhor reluta, mas entra comigo. Quero que o senhor veja... que veja a cena... veja com seus próprios olhos que lá não há nenhum homem adequado. Ou são os bares para solteiros, ou os serviços de busca de parceiros na internet, que o senhor mencionou na semana passada. Internet... isso é pior do que os bares. Não podia ser mais impessoal! Nem acredito que o senhor tenha realmente sugerido uma coisa dessas! O senhor espera que eu crie um relacionamento na tela do monitor, sem sequer ver a outra pessoa, sem sequer...
- Volte para sua fantasia. O que você vê depois?
- Ficou tudo escuro, sumiu.
- Tão depressa! O que a impediu de continuar?
- Não sei. Eu me senti fria e sozinha.
- Você estava comigo. Segurou minha mão. Que sentimentos apareceram?
- Continuei a me sentir só.
- Temos que parar, Myrna. Uma última pergunta. Estes últimos minutos foram diferentes da primeira parte da sessão?
- Não. Foi a mesma coisa. Frustrante.
- Eu senti um envolvimento maior, menos espaço entre nós. Você não sentiu nada disso?
- Pode ser. Não sei direito. E continuo a não entender para que serve o que estamos fazendo.
- Por que continuo com a sensação de que há algo em você que luta contra a compreensão disso? No mesmo horário, na próxima quinta?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Mamãe e o sentido da vida
AcakDiretamente do consultório de Irvin D. Yalom surgem as histórias de Mamãe e o sentido da vida. A esperança e a determinação dos personagens dessas narrativas - reais e ficcionais - contagiam o leitor. Tropeçando em seus pensamentos e vagando pel...