Capítulo 72

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   Eu mostrei a Ian o quarto de hóspedes onde ele iria ficar.
  Nossas acomodações não eram tão esplendorosas quanto às da mansão Seymour, mas eram bem quentes e confortáveis.
  Ficamos alguns segundos em silêncio até eu perceber que ele provavelmente queria ficar sozinho.
- vou preparar o jantar. Fique a vontade! -falei saindo.
  Quando eu estava na porta do quarto, me virei e disse:
- obrigada pelo que está fazendo por nossa família. Sou muito grata!
  Antes que ele tivesse a chance de responder, saí batendo a porta.
  Na cozinha, encontrei Louise cortando alguns temperos com uma expressão travessa.
- posso saber o que está aprontando? -perguntei rindo.
- estou preparando o jantar para seu noivo! -disse ela com um sorriso largo.
- e a mamãe deixa você usar facas?-perguntei.
- não exatamente. Não conta pra ela! -implorou Louise com um biquinho.
- só se você deixar eu te ajudar! -falei sorrindo.
  Ela sorriu iluminando a cozinha. Senti falta dela, mais do que eu poderia me lembrar.
  Comecei a descascar algumas cenouras enquanto conversava com Louise.
- então, como andam as lições? -perguntei puxando assunto.
- paradas. Com o papai doente, ninguém tem tempo para isso! -disse ela desanimada.
- mas você está lendo. Não está? -perguntei olhando por cima do ombro para poder ver ela melhor.
- sim, mas falta um pouco mais de prática. Ainda têm palavras que não conheço! -explicou ela.
- e caligrafia? Tem praticado?
- não! -respondeu ela desanimada.
- então depois do jantar, vou lhe passar alguns exercícios. Quero ver todos prontos amanhã depois do almoço.
- tudo bem! -disse ela ainda desanimada.
- que desânimo é esse? Vou te ajudar a escrever uma carta para Ian. Ele adora cartas! -falei em sussurros.
- sério? -perguntou ela entusiasmada.
- claro que sim! -respondi sorrindo.
- e como é na casa de Ian? É bonito lá? -perguntou ela com os olhos brilhantes.
- é sim! Tem um imenso gramado com flores. Têm cavalos, um vinhedo enorme! Acredita que fui picada por uma cobra?
- NÃO! -disse ela rindo.
- mas fui, quase morri!- afirmei.
- você está mentindo! -disse ela rindo.
- juro que não! Ainda tenho a cicatriz. Você quer ver?-perguntei.
- não, confio em você! Doeu muito?
- muito mesmo. Ainda bem que Ian me salvou!
- ele parece um herói daquelas histórias que a mamãe conta. Só falta o cavalo branco! -disse ela sonhadora.
- e quem disse que não tem?
- sério? -perguntou ela.
- eu disse que ele tinha cavalos. Não disse?
  Ela gargalhou animada. Louise estava passando muito tempo sozinha e estava amadurecendo antes do tempo. A falta de cuidados e atenção, estava fazendo ela se sentir esquecida.
- Helena, posso te fazer uma pergunta? -perguntou ela.
- você acabou de fazer uma!-falei sorrindo.
- é sério! -reclamou ela.
- claro que pode. O que quiser!-falei.
- você e o Ian já se beijaram?
  Deixei a faca cair o que causou um barulho agudo. Ela me pegou de surpresa.
- isso não é assunto para criança! -gaguejei sem jeito.
- mas você disse que eu podia perguntar qualquer coisa! -protestou ela.
- qualquer coisa menos isso!-respondi envergonhada.
- ah, por favor Lena!
- sim, já nos beijamos. Mas não conta para a mamãe! -falei para tentar cortar o assunto.
  Mesmo de costas pra ela, pude sentir seu sorriso enorme.
- e foi bom? -perguntou ela.
- sim! -respondi sorrindo distraída.
- e como é beijar um rapaz?-perguntou ela curiosa.
- é bom! -respondi objetiva.
- você gosta do Ian?-perguntou Louise.
- que pergunta é essa Lou. Claro que gosto! -respondi franzindo a testa.
- não foi isso que perguntei! Quero saber se você ama ele!-disse ela impaciente.
  Parei de cortar as cenouras enquanto pensava se deveria ou não responder a sua pergunta.
  Olhei por cima do ombro e vi que já não estávamos mais sozinhas. Ian estava parado, escorado no batente da porta com os braços cruzados sobre o peito e um sorriso travesso nos lábios. Ele havia se lavado, penteado o cabelo e trocado de roupas.
- isso não é assunto para criança! -falei de mau humor.
  Louise deu risadinhas quando viu Ian, e eu simplesmente continuei meu trabalho.
- interrompo as senhoritas? -perguntou Ian todo cavalheiro.
- de modo algum! -respondeu Louise.
  Sua destreza com as palavras me impressionou, ela era bem mais feminina que eu.
- o que estão fazendo as belas donzelas? -perguntou Ian.
- preparando o jantar! -falei como se fosse óbvio.
- não sabia que a senhorita cozinhava! -disse Ian se aproximando de mim.
  Senti a respiração quente de Ian em meu pescoço. Ele estava perto de mais. Meu corpo formigou.
- existem muitas coisas a meu respeito que o senhor desconhece! -falei de mau humor.
- Eu adoraria conhecer! - disse ele em meu ouvido.
  Me afastei imediatamente dele e o encarei irritada.
- o que pensa que está fazendo? -perguntei com raiva.
  Ele sorriu tentando esconder sua satisfação.
- sua irmã gosta de nos ver juntos! -disse ele sorrindo.
  Me lembrei de Louise. Ela não sabia que estávamos separados, e Ian estava se aproveitando da situação.
  Ignorei e voltei aos meus afazeres.
- quer ajuda? -ofereceu Ian.
- imagino que não saiba descascar batatas! - falei irritada.
  Ele ergueu uma sobrancelha como se estivesse sendo desafiado.
- será um prazer! -disse ele pegando as batatas.
  Foi uma surpresa ver que ele sabia o que estava fazendo ao descascar, picar e lavar as batatas.
- não sabia que cozinhava! -falei ironicamente.
- existem muitas coisas a meu respeito que a senhorita desconhece! -disse ele usando minha própria frase contra mim.
- eu adoraria conhecer! -respondi imediatamente.
  Ele sorriu de canto enquanto trabalhava.
- desde quando sabe cozinhar? -perguntei impressionada.
- eu passava muito tempo na cozinha me escondendo do meu pai. As cozinheiras gostavam de ensinar e eu de aprender! -disse ele simplesmente.
- estou muito surpresa. Realmente quase não nos conhecemos!- falei pensativa.
- me diz uma coisa sobre você que eu não saiba e te direi uma sobre mim! -desafiou-me ele.
- hmm, eu adoro jogar xadrez! -falei dando de ombros.
  Ele me olhou surpreso.
- sério?
- claro. Por quê? -perguntei curiosa.
- é que, bom... Você não é muito paciente! -disse ele rindo.
- mas sou estrategista. Não preciso de paciência. Paciência é para os fracos! -falei convencida.
- claro que é! -resmungou ele.
- agora é sua vez! -falei.
  Ele pareceu pensar um pouco.
- bom, isso é meio constrangedor, mas...
- mas? -incentivei.
- eu gosto de pintura! De arte em geral! -disse ele franzindo a testa.
- espera! Então aqueles quadros espalhados por sua casa...
- sim! -admitiu ele constrangido.
- você é o pintor ruim? -perguntei surpresa.
- é, sou eu! - disse ele envergonhado. -Eu já pedi para minha mãe tirar aquelas porcarias da parede... mas ela ama aquelas coisas ridículas!
- não são ridículas.
- como não? Sou péssimo. Meu avô sim era brilhante. Eu só sou um idiota com um pincel na mão! E ainda sim prefiro desenhar a pintar! -disse ele meio triste.
- Wladimir te ensinou a pintar? -perguntei.
- sim. Ele era meu herói. Ele e a vovó. Sinto falta deles! -disse Ian.
- eu também! -falei com um suspiro.
  O silêncio se formou e não consegui deixar o clima afetar Louise.
- quer saber? Mesmo você dizendo que não entendo nada de arte, eu gosto muito dos seus quadros. O meu favorito é o do cavalo. Ele está no meu quarto!
- eu vi! Também gosto dele. Mas me conte mais uma coisa sobre você! - ele mudou de assunto.
- não sei nadar! -falei rindo.
- é sério isso? E eu deixei você sozinha naquele rio? -ele pareceu indignado com a informação.
  Dei de ombros.
- você disse que o Rio não era fundo! Confiei em você!
- você podia ter morrido! -irritou-se ele.
- mas não morri!-falei.
- mas podia...- insistiu ele.
- sua vez! -falei mudando de assunto.
- não gosto de aranhas! -disse ele franzindo a testa.
  Eu fui obrigada a rir.
- você tem medo de aranhas? -perguntei cética.
- não falei isso. Eu não tenho medo de aranhas, só não gosto delas. Aquele monte de pernas e olhos é...
- assustador?
- nojento! -disse ele ignorando minha sugestão.
- bom, eu não gosto de baratas e nem de cobras!-falei olhando pra ele.
  Ele me encarou se lembrando do episódio em questão.
- também não gosto de cobras! Na verdade, eu as detesto mais do que pensava!-disse ele sério.
  Um silêncio incômodo me obrigou a continuar a conversa.
- bem, eu amo as tempestades! Principalmente àquelas bem violentas!
- sério? Eu não. Parece que o mundo está triste. Prefiro o sol!-disse ele.
  Ouvi as risadas de Louise.
  Olhei para ela pra ver qual a graça, mas não entendi.
- do que está rindo Lou? -perguntei curiosa.
- de vocês dois. A conversa de vocês é engraçada! -disse ela rindo.
  Rimos juntos.
  O jantar ficou pronto mais rápido do que eu esperava e depois de nos saciarmos, eu alimentei Joseph e o coloquei para dormir enquanto Ian contava histórias engraçadas sobre nós para Louise.
  Ao descer as escadas ouvi Ian falar:
- sua irmã é muito especial!
- sério?
- sim. E quando você crescer vai ser exatamente como ela. Só que com mais educação! -disse ele.
- eu ouvi isso! -reclamei.
- não falei? -disse Ian.
  Me juntei a Ian no sofá e nos servi de uma taça de vinho.
- Lou? Está na hora de dormir! -falei.
- mas a mamãe disse que eu podia ficar acordada até mais tarde! -disse ela manhosa.
- eu não sou a mamãe! -falei brava.
- não quero...
- Lou, o dia foi exaustivo. Ian quer descansar. Não se preocupe, amanhã quando você acordar ele ainda vai estar aqui!- falei.
- promete? -perguntou ela fazendo biquinho.
- prometo! -falei.
  Ela sorriu e abraçou Ian dando um beijo em seu rosto.
- assim eu fico com ciúmes! -falei.
  O olhar de Ian respousou divertido em mim.
- ciúmes da minha irmã! -falei pra ele.
  Louise deu uma risadinha e me abraçou.
- sobe e se arruma, nós vamos ler um livro hoje. Juntas.
- promete?
- prometo!
  Ela subiu as escadas de dois em dois degraus. Era fácil me acostumar aqui. A não ser por...
- sabe que está evitando o inevitável! -disse Ian.
- sei!
- quando você vai falar com ele? -perguntou Ian.
- não sei...
- não esquece que você veio aqui pra isso! -disse ele.
- eu sei!
- cuidado com o tempo, ele é o seu único inimigo! -disse ele sombrio.
  Levantei e comecei a subir as escadas.
- Boa noite Ian!
- Boa noite Lena! -respondeu ele usando o apelido que Louise costuma usar.
  Fui para o quarto de Louise e me deitei na cama com ela, e juntas iniciamos um livro de romance.
  Menos de uma hora depois, Louise caiu em um sono profundo e eu não quis ir pra minha cama.
  As horas estavam passando de pressa, mas eu não conseguia dormir sabendo que a duas portas de distância meu pai estava entre a vida e a morte.
  O galo começou a cantar, mas o sol ainda não havia nascido. Apesar disso, eu não consegui pregar os olhos.
  Levantei sorrateiramente e fiquei dando voltas pela casa, e involuntariamente acabei parando em frente ao quarto de meu pai.
  Ergui a mão em punho para bater na porta, mas me detive. Ele ainda deve estar dormindo.
  Mesmo assim, abri a porta com delicadeza.
  Minha mãe não estava lá. Devia estar com Joseph ou em qualquer outro lugar fugindo da realidade.
  O quarto estava escuro e eu só podia ver um montinho em cima da cama.
  Me sentei na cadeira ao lado da cama e esperei.

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