- Você pode achar que é o dono do mundo... Pode ser poderoso... Mas onde chegou? Quem está ao seu lado? Quem você cativou? Preferir ser temido a ser amado é a saída dos fracos ou dos sem espírito. E o espírito é o que nos faz mais fortes - disse, enquanto sangue escorria do meu olho cortado e minha adaga penetrava o abdômen do meu adversário.
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Meu nome é George, tenho 16 anos, e há 5 anos vivo embaixo de pontes pela cidade de Natal, a Esposa do Sol. O motivo para eu começar a não ter morada fixa foi o assassinato de meus pais, que aconteceu a minha frente. Poupo-vos de detalhes, apenas informo que a arma usada foi uma faca de caça.
Minha vida já era uma bagunça antes do maldito dia que encontrei aquela adaga.
Era um dia normal na cidade, eu não queria me levantar do papelão que usava como cama, mas a fome sempre chega... E esse é um momento complicado, pois conseguir comida é quase como uma Odisséia se você não tem casa fixa.
Levantei-me lentamente, esfregando meus olhos castanhos com o punho esquerdo, enquanto com o direito eu começava a tirar o jornal de cima de mim. Havia sido uma noite intensa, um assalto e troca de tiros entre os policiais e os bandidos, porém eu me abriguei abaixo da ponte Newton Navarro.
Meus cabelos escuros estavam bagunçados como sempre, ansiando por um banho, porém isso não acontecia desde a última noite que passei na casa da minha avó materna... Acho que deveria ir pra lá.───────────
No caminho para a casa eu passei por uma rua cheia de mansões, pensando no quanto seria bom viver em uma casa novamente, dormir em uma cama quente e confortável, e não passar por todos os problemas que passo diariamente.
Logo chego à casa de minha avó e aperto a campainha.
- Acho que há 3 meses não venho por aqui... - penso ao pressionar o botão da campainha e ouvir o familiar barulho estridente da campainha.
- Já vai! - gritou uma voz lá de dentro, que após alguns segundos revelou-se uma mulher com seus 50 anos, vestida de camisola e chinelos, com seus cabelos loiros brilhando como ouro ao sol. Essa mulher é Maria, a ajudante de dentista que trabalhava com minha avó.
- Oi, Maria, como vão? - perguntei com um pouco de vergonha.
- Meu Deus! Ana, é teu neto! - ela gritou para dentro de casa, mesmo lugar do consultório onde trabalham.
Minha avó soltou um ruído não muito digno dela e se encaminhou a porta. Por sorte, hoje é domingo, e ela não tinha nenhum cliente, tanto que estava vestida casualmente, com uma camisola longa e chinelos, com hobbes nos cabelos prateados que brilhavam ao sol. Apesar da idade era uma mulher maravilhosa e forte.
- George... - disse ela, enquanto tateava meu rosto,para conferir que não era uma miragem - Meu Deus, já há quase seis meses que não lhe vejo...
- Eu sei, vovó - disse, enquanto a abraçava - ocorreram algumas coisas pelas ruas... Seu convite para que eu venha morar aqui ainda está de pé?
- Para você estará sempre, meu querido.
Sorrio, pensando em como seria viver com minha avó e ajudá-la no consultorio...
- Tenho muito o que aprender para poder ajudar você no trabalho, mas me esforçarei!───────────
Logo que entrei na casa subi as escadas em direção ao quarto que um dia fôra meu. Fiquei por alguns segundos admirando a porta de cedro escuro, detalhada com figuras fantásticas como Pégasus, Fênix, Unicórnios e Centauros, mas não as versões idealizadas deles, e sim como eles seriam na vida real. Uma batalha acontecia na metade superior: a Fênix utilaza suas plumas flamejantes para atear fogo às asas do Pégaso, enquanto este, ferido, tentava inutilmente morder as patas da Fênix, seu ponto fraco. Na metade de baixo acontecia outra batalha, mas dessa vez entre um Centauro e um Unicórnio: o Centauro vestindo uma armadura completa e utilizando Espada na mão direita, enquanto o Unicórnio perfurava sua armadura com o chifre, fazendo jorrar sangue de seu abdômen.
Eu vejo isso desde criança, mas nunca me canso dessa imagem em minha porta, embora atualmente eu possa interpretar de diversas formas...
Abri a porta lentamente e vi a cama que minha avó mantinha separada para quando eu ia dormir lá. Senti o lençol com meus dedos, enquanto uma lágrima escorria pelo meu rosto magro, lembrando do primeiro dia que ali estive. A noite do assassinato de meus pais. Deitei-me na cama e olhei para o ventilador de teto, movendo-se lentamente. Ele era minha constante lembrança de que a vida funciona em ciclo, e as pessoas sempre cometem os mesmo erros no decorrer da história.
Fiquei a pensar sobre isso olhando para o ventilador a girar em seu ciclo sem fim, me hipnotizando e me levando cada vez mais fundo em minha mente, para memórias há muito ignoradas, para memórias há muito guardadas, que eu gostaria de não lembrar. E então adormeci. O que foi a pior coisa que poderia ter acontecido.

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Lâmina de Sangue
General FictionGeorge, um menino de rua em Natal/RN vive sua vida normalmente até encontrar uma estranha adaga que brilhava como ouro ao sol... O que acontece a partir daqui? Apenas o tempo poderá dizer.