Amara topara a sugestão pois sabia que precisava. Realmente, tava na hora de reencontrar com as pessoas que um dia foram sua família e ver no que dava, o que poderia ser reconstruído e o que deveria ser deixado pra trás.
Era, também, uma ótima oportunidade de novas inspirações. Tinha até levado sua câmera e caderno para poder tirar fotos e fazer anotações e rabiscos. Já havia tirado algumas fotos da paisagem de Monte Olimpo, a cidade em que estavam, antes mesmo de sequer chegarem perto do clube. Monte Olimpo, apesar de ser uma cidade litorânea, era a capital do país, confundindo muitos gringos por causa dos nomes parecidos. Localizada numa das maiores ilhas do arquipélago sul americano, Olimpo era cheia de atrações turísticas, zonas para os moradores e nascidos na cidade e até lugares mais secretos para aqueles que realmente conheciam aquele lugar paradisíaco que era a capital. De portos à cachoeiras, Olimpo não deixava nada a desejar, sendo perfeita para todos os tipos de gostos e idades que viessem descobrir o terreno.
Amara amava aquela cidade de coração, tanto que foi o primeiro lugar que pensou em vir quando terminou seu ensino médio lá no Brasil. Agradecia muito aos céus por terem sistemas educacionais parecidos, permitindo a transferência da intercambista sem muitos contratempos. Fez todos os anos superiores, como eles chamavam a graduação em Novo Olimpo, de moda na mesma instituição que Kike e algumas pessoas do time de basquete, como Felipe, Rodrigo, as namoradas de Rodrigo e outros jogadores que entraram depois. Fora também onde conheceu uma de suas melhores amigas, a ex-namorada de seu ex-namorado Felipe, Mariana. Apesar da situação amorosa de Amara e Felipe e a antiga relação dele com Mariana, as duas se davam muito bem e eram muito amigas justamente por causa dos relacionamentos com o capitão do time. De todos os amigos, Mariana e Kike eram os que mais fizeram falta para Amara depois de tudo que aconteceu. Eram seus dois melhores amigos e doeu muito ter que se afastar deles.
Mergulhada dentro de sua mente, não ouviu muitas palavras de Kike, apesar de terem tido uma conversa amigável antes de o amigo deixá-la ficar quieta pensando. No meio do caminho, algo chamou-a atenção e falou depois de muito tempo em silêncio, pedindo para que Kike diminuísse um pouco. Sacou a câmera da bolsa e fotografou um bando de gaivotas voando pelo céu. Ao abrir a galeria da câmera, ficou alguns segundos encarando a foto antes de perceber que Kike falava com ela.
— ...Ai ele saiu e tivemos que achar um novo pivô a tempo de treinar pro campeonato. É a troca mais recente do time mas achei que você devesse saber, mas muita gente saiu também então né... — Ela conseguiu entender apenas essa parte, quando sua visão começou a turvar. Sua pressão tinha baixado nitidamente. Amara recostou a cabeça no banco e respirou fundo, de olhos fechados. — Que foi Amy? Você tá bem?
— Pressão baixou, nada demais. Quando chegarmos lá, me arruma alguma coisa salgada ou sal puro por favor. — Responde Amara. Kike olha desconfiado para a pessoa no carona, mas não fala nada. Por sorte, já haviam chegado no clube. O jogador levou a designer até a quadra, passando por uma lanchonete antes para pegar um sachê de sal. O treino não havia começado, todo o time estava nos vestiários, Kike deixou a amiga sentada nas arquibancadas se acalmando enquanto ia trocar de roupa e cumprimentar os amigos.
— Qualquer coisa me grita, tá bom? A gente te leva pra ala hospitalar e você fica sob cuidado dos médicos do clube. — Ele faz carinho no cabelo dela e corre pro vestiário para se trocar.
Sozinha, Amara fecha bem os olhos, deitando nos degraus onde fora sentada. Estava a beira de uma crise de ansiedade, sozinha, na arquibancada da quadra. Sua mente voa para o momento meses antes onde viveu aquela mesma situação e sua respiração começa a falhar. Com as memórias voltando cada vez mais e mais rápido, Amara não consegue sentir o coração batendo tamanha a velocidade do órgão. Se afundando de forma rápida e desesperadora em lembranças que não queria pensar, tenta se acalmar e conter a crise. Seus sentidos ficam mais aguçados, cada micro mudança em seu corpo é percebida e todos os detalhes parecem sufocar Amara, trancando-a num redemoinho de memórias ruins.
Kike tinha terminado de pôr sua camisa, quando um dos colegas de time, Igor, entra no vestiário assustado. Balbucia algo como "a garota tá morrendo" e o vestiário todo fica em silêncio. O homem sente o sangue fugir de seu corpo antes de sair correndo atrás de Amara, com medo de que algo pudesse ter machucado ela. Todos os outros jogadores permanecem no vestiário, se entreolhando tentando descobrir, até que resolvem partir para quadra a fim de saber o que havia acontecido.
Amara estava tão encolhida que foi difícil entender o que estava acontecendo. Kike ajoelhou ao seu lado, chamando-a e tentando fazer com que ela desmanchasse o casulo que havia feito com o corpo. O treinador chegou ao seu lado, falando que deveriam levá-la para ala hospitalar, e os dois homens passaram a carregar Amara as pressas para o prédio ao lado da quadra.
Ele não podia acreditar no que via.
Um ano se passou desde o desastre. Um ano de pensamentos velados. Um ano de auto violências e depreciações causadas pela culpa. Um ano separados e nenhum dos dias foram vividos sem pensar na mulher que estava ali na sua frente, encolhida e sendo retirada da quadra.
Ele realmente não conseguia acreditar.
Devia estar delirando mesmo com tudo indicando que não. Como poderia retratar essa cena tão bem dentro da sua cabeça? Nem mesmo seus sonhos mais lúcidos seriam capazes de transmitir o sentimento de curiosidade e nervosismo que pairavam ali entre os jogadores.
Felipe não soube o que estava fazendo quando saiu da quadra atrás de Kike e do treinador.
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entre(nós)
RomanceAmara nunca pedira pelas coisas ruins da sua vida. Crescida nas favelas cariocas, seu caráter fora moldado da forma mais simples possível. Humildade e respeito sempre foram-lhe cobrados desde pequena. Ao ganhar a chance de estudar em uma escola part...