Olhei para o céu límpido de Toronto pela milésima vez naquela manhã, na esperança de que alguma coisa caia dele e me acerte de vez na cabeça. Meu dia não havia começado muito bem, na verdade, meus dias não começavam bem desde que cheguei ao Canadá, praticamente exilada de casa, me vejo nesse universo frio em que apenas possuo uma amiga, um apartamento gigantesco e uma cebola na geladeira. A universidade não nos deixava com muito tempo para sair e fazer compras.
Adentrei ao café em que Katherine trabalha, aproveitando o pouco movimento milagroso, já que é sempre tão cheio e me permiti ficar irritada com o barulho que o sino fez assim que abri a porta. Bufei e vi a morena me encarando com uma cara engraçada.
— Estou te observando há uns cinco, seis minutos — diz, ponderando no relógio do celular. Senti minhas bochechas ganharem um tom avermelhado que não era pelo frio gritante, espero que ela não tenha me visto pelas portas de vidro fazendo juras de morte para quem me colocou no mundo aos céus. Mas eu sei que ela viu. — Você parece irritada — comenta o óbvio.
— Deve ser porque estou — reviro os olhos, sentando no balcão a sua frente, arrancando a touca de listras azuis de minha cabeça, enquanto ela me observa com a cabeça apoiada na mão. — Minha mãe me ligou hoje cedo — começo. “Ellie, você tem que se tornar um orgulho para a família”ainda ecoava em minha cabeça, me torturando pela manhã que mal começara. — Quis saber como foi à primeira semana de faculdade — reviro os olhos novamente. Katherine suspira e me olha daquele jeito que ela me olha desde que botei os pés aqui: se fosse por você, você estaria bem longe, não é?
Não precisava me conhecer suficientemente bem para saber que sim, eu gostaria de estar bem longe daqui. De preferência no meu país de origem, com a minha vida normal e cursando algo totalmente diferente.
— Não tem nada que goste sobre medicina? — pergunta e eu dou de ombros.
— Eu não odeio a área, mas também não amo. Entende?
Venho de uma família de médicos e todos eles se formaram na Universidade de Toronto, não me deixando outra opção além de seguir com a tradição, como meu irmão mais velho. Mesmo que eu tenha enchido os ouvidos dos meus pais sobre como eu não quero me tornar médica e sim fotógrafa, fazendo uma faculdade em Nova Iorque que não ficaria tão longe de casa, ao contrário de onde me encontro agora.
Eu tenho consciência de que sempre serei a ovelha negra da família, que Lucas é o filho favorito e que eu nunca entraria numa universidade como essa se meus pais não tivessem seus contatos. Qual é? A maior nota que já tive em química era a mais baixa de alguém que provavelmente cursaria medicina já teve. Isso esclareceria um pouco as coisas para os meus queridos genitores, mas eles não se importaram com esse protesto silencioso e me mandaram pra cá, de qualquer maneira.
Agora me encontro perdida, sem nenhuma estrutura para fugir e vou ter que me matar de estudar para me formar em algo que eu não quero. Se eu for mal, isso vai chegar aos ouvidos de meus pais e eu não duvido nada eles virem até aqui pessoalmente para apagarem seu sobrenome da minha identidade.
Eu não reclamaria. Bamber nunca me foi interessante.
— Ellie — Katherine me desperta de meus pensamentos. — E se você começasse a trabalhar aqui? Quer dizer, pode tentar ir conseguindo um dinheiro por fora e juntar para Nova York, até pode tentar surrupiar uma parte do que seus pais te mandam — surrupiar? Hm. — Podemos dividir meu apê, minha colega de quarto foi definitivamente morar com o namorado — ela revira os olhos e eu acho graça. — A gente racha o aluguel e você se livra da despesa que é a mansão em que você mora.
— Não é uma mansão — digo, mas é uma praticamente. Pra uma garota de 20 anos que mora só, é uma mansão.
Reflito no que Katherine me diz. Não sei quanto tempo iria decorrer pra juntar o dinheiro necessário, porque nem eu mesma sei de quanto irei precisar, mas admito que a ideia seja tentadora e só de pensar que posso finalmente realizar meu sonho, fico animada.
— Estão contratando? — sorrio largamente e ela parece feliz por ter me ajudado.
(...)
Olhava pela grande janela de vidro do Dineen Coffee Comapany, agora com uma folga do movimento diário e vi a noite estrelada no céu de sábado em Toronto agraciar seus cidadãos. Eu não poderia reclamar da vista nem se quisesse. Passava-se das dez e eu só estava esperando Katherine acabar seu expediente para ir com ela para sua casa e quem sabe sair para finalmente beber até não lembrar mais meu nome.
Suspirei, olhando para a revista à minha frente. Eu fingia que lia a Cosmopolitan, uma revista feminina que informava coisas inúteis.“Rainha Elizabeth é dona de uma franquia de fast food, veja qual” brilhava em uma das páginas, me fazendo revirar os olhos, mas o sino irritante da porta soou pelo estabelecimento pela quinquagésima vez, me fazendo desviar a atenção. Uma garota, que eu não saberia dizer sua idade, entrou no café e eu abaixei a revista, deixando-a estendida na mesa. Seus cabelos eram longos e castanhos e ela parecia apressada, não parando o olhar em um único lugar.
Observei-a fazer seu pedido a Katherine, que parecia a conhecer e tinha acabado de atender ao outros dois adolescentes, de no máximo 14 anos. Adolescentes esses que começaram a importunar a tal garota e percebi que só se tratavam de garotos no dueto e não hesitei em intervir.
— Seu irmão não vai vir te salvar? — perguntou o mais magrelo, tentando se aproximar da garota, enquanto ela apenas se afastou. Katherine notou minha aproximação, suplicando minha decência em minhas futuras ações.
— Bem, não sei do irmão dela, mas eu sei que vou. — Os olhares de todos — que incluíam outros três clientes que estavam esperando o café fechar e outros dois funcionários, pairaram sobre mim e eu não me permiti me sentir incomodada, a garota me olhava como se eu fosse a própria mulher maravilha bem na sua frente. — O que pensam que estão fazendo? Não podem fazer isso.
Eu definitivamente me senti uma tia de escola.
— E o que você vai fazer? — perguntou o outro e eu arqueei a sobrancelha, notei seu nervosismo.
— Vocês querem ter filhos? — perguntei, ameaçadoramente e vi os olhos de Katherine se arregalarem. Com certeza eu não iria deixar esses pirralhos saírem vitoriosos, mesmo que eu tenha que usar um golpe baixo, literalmente.
— E o que isso...
— É bom vocês irem embora antes que eu os impeça de ter um filho se quer — disse, bem perto de seu rosto, passando a mão por seu cabelo de uma forma maníaca.
— Você não iria... — Ameacei levantar o joelho e vi seus olhos se fecharem em um movimento instintivo. Ri disfarçadamente.
— Peçam desculpas — eles dividiram olhares entre e si e reviraram os olhos.
— Desculpa, Aaliyah — disseram em coro. De onde eles se conheciam? Será que a irritavam na escola também? Será que ao menos estudavam juntos?
Vi os dois meninos saírem do café resmungando e me virei pra ela, enquanto Katherine aprontava seu pedido: quatro muffins de blueberry.
— Você está bem? — perguntei, pegando em seu ombro, ela assentiu, parecia envergonhada. — Eles te irritam na escola também? — presumi e Aaliyah franziu o cenho.
Antes que ela respondesse, o sino do lugar soa novamente, desviando nossa atenção para a porta, me fazendo engolir em seco.
— Por que está demorando, Aaliyah? — perguntou o que eu entendi depois ser seu irmão, Shawn Mendes.
I wanna follow where she goes.
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There's Nothing Holdin' Me Back
Fanfiction{concluída} Ellie Bamber é pressionada pela família para se tornar uma médica, assim como todos eles. Seria mais fácil se ela não quisesse seguir uma carreira de fotógrafa e seria ainda mais fácil se ela não começasse a agir por conta própria. E a...