Capítulo 5

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Capítulo 5 – Atrás da Montanha (Anne Z)

Não fazia ideia que avançar com mais de cinquenta homens em meio à campina verde e montanhas fosse dar tanto trabalho. Vieram na frente cerca de noventa homens, atrás de nós outros cem estavam se aproximando pela costa leste. Entre meu grupo e o do meu pai, os melhores agentes estavam misturados, como atiradores de elite, profissionais de combate corpo a corpo e os melhores da inteligência sofisticada militar.

Ainda assim, a maioria de nós aceitou a ideia do Diretor com certa reserva. Embora estratégica aquela "manobra" seria muito arriscada. Em campo aberto, estaríamos vulneráveis sob qualquer ataque. Mas também isolados, do resto do mundo.

Meus pés estavam me incomodando, mas eram as queimaduras de sol que mais ardiam a minha pele. Tudo isso parecia pequeno quando eu analisava os dois novos recrutas na minha frente: Alena e Gabriel.

Compenetrados, este último então parecia alheio em seu próprio mundo. Havia ataduras espalhadas na sua pele e pela maneira como seus pés tocavam o chão ele ainda sentia muita dor causada pelos ferimentos da explosão. Mas não emitia ruído ou som algum. De sua boca, mal saía o barulho de ar. Era estranhamente silencioso.

Alena por sua vez não tinha tanta dificuldade em cruzar as pedras e cascalhos do desnivelado chão, caminhando com leveza e naturalidade. Ela levava uma mochila nas costas, e depois de lutar com o suor intenso, arrancou a blusa de algodão amarrando-a de qualquer jeito na cabeça. Ela estava exausta de calor. Ainda possuía aquele porte de bailarina, embora depois de algumas palavras trocadas antes de sairmos com meu pai, soube que não se lembrava de mais nada de sua outra vida.

Por sua própria escolha.

A ADA possuía a cultura de admitir como agentes pessoas sem família ou local para retornar. Uma vez dentro da Unidade, cada um era treinado e levado ao limite, com o único objetivo de se tornar membro da única família que iria possuir: a própria organização. Por isso, agentes normais não tiravam férias, apenas descansavam em nossas unidades espalhadas pelo mundo ao voltarem de uma missão em campo. O único autorizado a ter um lar além de nós é meu Tio, que estabeleceu esta condição para ficar. Aliás, meu pai insistiu para que ele saísse, mas Ripper sabia que não existia uma vida "pós agente". Éramos agentes para "todo o sempre", aonde ele fosse o título seguiria como uma mancha, impedindo-o de seguir em frente. Sua única chance era possuir duas vidas: uma delas quase normal e outra, o que ele havia sido desde sempre: o melhor agente em combate.

Então, para os demais de nós era muito óbvio que seguir como agentes não haveria a chance de volta, a possibilidade de uma vida normal. Éramos quebrados, não tínhamos família ou um lar para voltar, e se tivéssemos juízo, assumiríamos que em nossas vidas só havia lugar para nossos irmãos da ADA. Todos os soldados que possuíam família, ainda que distantes, não passavam nem na primeira avaliação feita pelas agencias terceirizadas. Sequer conheciam um agente ADA ou uma de nossas unidades. Eram descartados, o que me levava a crer que o cara na minha frente deve ter perdido tudo, antes de se candidatar para nossa Organização.

Atravessamos toda sorte de vegetação hostil que poderíamos encontrar nessa região remota do estado do Tocantins. O local mais próximo de nós era a turística região conhecida como "Jalapão". Mas propositadamente meu pai havia escolhido a região mais inabitável a oeste, banhada por paredões de pedra e muita mata densa.

Paramos depois de mais de cinco horas de caminhada intensa. Um riacho de água doce se estendia sobre nós e enquanto alguns se banhavam aliviando o calor e as picadas dos mosquitos do local, outros de nós carregávamos armas em punhos e vigiavam de posições mais altas a presença de algum inimigo. Eu fazia parte do grupo que estava se "limpando", junto com meus recrutas.

Gabriel na minha frente entrou de roupa e tudo no pequeno curso de água, que mal banhava suas pernas. Molhava desajeitadamente seus braços, rosto e tronco. Eu o observava mesmo ciente de que havia mais de nós ao redor. Ele evitava a todo custo meu olhar, direcionando seus olhos frios sempre para baixo quando passava por mim. Nem quando eu estava lhe dando ordens, cumprindo meu papel de "treinadora", ele me olhava diretamente. Fixava os olhos um ponto atrás de mim, o que me irritava demais.

Eu me lavei tomando o cuidado de não molhar a blusa que cobria meu busto. Eu estava sem sutiã, por puro capricho já que possuía um pequeno busto herdado da minha mãe. Praticamente não se via os meus seios e como eu estava muito atlética por conta dos exercícios diários, eles haviam reduzido ainda mais. Alena, no entanto, era mais abençoada, com volumes nos lugares certos em que uma mulher deveria ter. Talvez por isso tenha molhado apenas o rosto enquanto meu pai mais à frente não tirava os olhos dela.

- Descansaremos hoje depois daquela montanha – o Diretor falou, chamando a atenção de todos nós – logo após tem um declive em que ficaremos cobertos, protegidos da visão de terceiros.

A tal montanha ficava a uma boa distância de onde estávamos, eu ainda duvidaria de que chegássemos antes da noite cair por lá. Meu recruta pensou a mesma coisa:

- Estamos há mais de seis horas daquele ponto, se continuarmos neste ritmo de caminhada – Gabriel falou mais para si, do que para mim ou Alena, que acompanhávamos seus passos como um só grupo.

Ele olhou para mim, buscando concordância ou não, mas tudo que fiz foi observá-lo mais de perto. Ele estava olhando diretamente para mim, pela primeira vez. Eu perguntei:

- E o que você sugere soldado? Seus olhos azuis cintilaram, quase em resposta a minha pergunta. Mas tudo que fez foi voltar a olhar para o chão, saindo do rio ainda mais calado do que entrou.

- Ele não é de falar muito – Alena interrompeu, apontado o óbvio – tenho a impressão de que ele deve conversar mais consigo mesmo do que fez com alguém sua vida toda.

Concordava com ela. Provavelmente estava pensando alto quando disse aquilo e nem se deu conta.

Mas Gabriel estava certo. Depois de uma longa caminhada exaustiva pelo declive que era aquele morro, levamos pouco mais de seis horas para chegarmos ao local pensado por meu Tio, que seria "o mais estratégico" para montarmos acampamento.

GabrielOnde histórias criam vida. Descubra agora