Capítulo 2 (primeira parte)

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Depois, nós dois



De repente eu estava ouvindo música triste e olhando para o celular, pensando se respondia as mensagens ou não. Ou esperando outra mensagem, sabendo que ela não viria, porque afinal, eu não havia respondido nenhuma. Confesso que demorei dois dias para responder, embora tenha pensado nelas o tempo todo, estava inclusive me sentindo culpado por ser tão insensível. Ou envergonhado. Tolo demais, eu sei, mas eu só tinha dezoito anos (recém-completados) e responder mensagem de alguém com quem eu tinha ficado era estranho, ainda mais porque era um garoto e justamente aquele que eu deveria odiar. Quando respondi, com relutância, foi para perguntar que curso ele faria, em que cidade seria, esse tipo de coisa genérica e impessoal e ele respondia da mesma forma, refazia as mesmas perguntas, demoramos um bom tempo para engatar uma conversa decente.

Ele foi estudar engenharia numa universidade federal, porque, afinal ele era o cara, enquanto eu me matriculei no curso de Sistema de Informação da faculdade particular da minha cidade mesmo. Assim a gente tinha assunto para teclar, como a gente dizia, por mensagem de celular ou pelo bom e velho Msn no computador, outras redes ele nunca usava, e a gente até que se dava bem. Trocávamos farpas, mas sem poder sair no soco a coisa era até engraçada.

Quando nossos papos se tornaram mais frequentes e diversificados, eu comecei a me ver ansioso, olhando as horas, olhando a tela, mesmo sabendo que ele ainda estaria nos estudos, que os estudos dele não eram tão desleixados quanto os meus, e quando o alerta de mensagem começou a fazer meu coração acelerar, primeiro discretamente, depois sem vergonha nenhuma, eu me dei conta de que estava, de fato, apaixonado. Aceitei, sem resignar, os tremores nas mãos e os suspiros, claro que não falei sobre isso com ninguém, mas eu pensava que o mesmo ocorria com ele, ou pelo menos, era o que eu queria, que cada vez que ele me mandasse uma mensagem boba, que ele estivesse pensando em mim do mesmo jeito que eu pensava nele.

Os lances do passado não mencionávamos abertamente, acho que por desconfiança mútua, só falávamos em eufemismos e se alguém mais lesse as coisas que escrevíamos, dificilmente pegaria a referência, era como se estivéssemos falando apenas das nossas brigas. Mas um dia, e isso deve ter sido no mês de abril, mas não no dia primeiro senão eu teria desconfiado, ele me mandou uma foto mostrando a língua e dizendo que estava com saudades da minha boca. Rimos. Falei que não tinha saudades da boca de lata dele, ele disse que duvidava. Tomei uma dose extra de coragem e disse que topava ficar com ele novamente e iria até o fim, se ele quisesse, e como ele demorou a responder, comecei a ficar nervoso e a pensar que tinha feito merda, que ele poderia usar aquilo contra mim. Mas alguns minutos depois ele mandou uma foto da barriga dele, dizendo que era um consolo para a minha abstinência. Nos divertimos, mas no fundo fiquei chateado, queria que ele dissesse o mesmo e ele não disse.

Mas depois disso ficamos mais íntimos, falando de coisas fofas, mandando fotos um para o outro, depois que comprei meu celular com câmera, eu até deixava de sair para ficar conversando com ele, considerava quase um compromisso, todos os dias, sempre no mesmo horário. Mesmo quando arranjei emprego em uma loja e quase não tinha mais tempo, e ele começou um estágio, a gente driblava a rotina cheia para "se ver" pela internet, às vezes virava a noite de sábado, ou aproveitava os feriados. O Igor virtual era tão perfeito que eu não queria larga-lo nem por um minuto. Da fofura passamos para a sacanagem, a conversa ficou mais picante, repleta de duplos sentidos e intenções claras do tipo "Espera só quando eu te pegar" e "Não vejo a hora de te ver".

E assim eu fui criando expectativas...

Quando chegou o fim de junho eu já estava de férias da faculdade, embora passasse a maior parte do dia trabalhando, mas o Igor ainda não poderia vir, ele havia me dito que chegaria por volta do dia 15 de julho e bem antes disso eu já estava roendo as unhas de ansiedade. Eu tinha consciência de que não poderíamos passar muito tempo juntos, nem demonstrar muita alegria quando nos encontrássemos em público, mas para mim estava tudo bem, o prazer de vê-lo, ainda que escondido, compensava tudo. Nunca me passou pela cabeça que as coisas pudessem ser diferentes.

Meu Mais ou Menos Inimigo (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora