1. LUCY - Capítulo III

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As horas correram sem grandes informações. Lucy costumava puxar conversa com os cientistas e analistas, descobrindo o máximo possível da sociedade fora do complexo. Por isso, durante as aulas, muitas informações já eram de seu conhecimento.

A única novidade foi um vídeo educativo passado naquele dia, instruindo sobre casamentos e adoções, que deveriam acontecer, respectivamente, num período de no máximo quinze e vinte anos após a cerimônia de adoção.

A Adotiva achava engraçado como todas as outras crianças assistiam aquilo e consideravam a coisa mais normal do mundo uma sociedade que te obrigava a casar e adotar ao menos uma nova criança. E se ela não se apaixonasse por ninguém? Se quisesse ficar sozinha para sempre, ou ao menos alguns anos a mais?

Ou, ainda, porque ela não podia ter seu próprio filho? Por que precisava de um modelo pronto, modificado e criado como todos os outros? Não fazia o menor sentido aquelas regras, e ainda menos o fato de ninguém ao seu redor as questionar.

— Alguém tem alguma dúvida? – o cientista perguntou assim que todos removeram os capacetes e conectores.

Uma garotinha negra de cabelos crespos ergueu o braço. O cientista apontou para ela, dando permissão para que falasse.

— E se eu não quiser continuar com a mesma pessoa pra sempre? – perguntou com inocência, mas demonstrando maturidade.

— Não existem regras contra a separação, mas o casal precisa de motivos sólidos, ainda mais se ainda não tiver adotado, porque ambos precisaram arrumar outro casamento antes de completarem os vinte anos de adoção.

— E se completar sem estar casado? – Lucy não resistiu.

— Essa opção não está disponível.

— Mas o que aconteceria?

— Seriam tomadas as medidas necessárias.

— Que tipo de medidas?

— Já chega, estão liberados. – o cientista pontuou com a voz ríspida e o olhar fixo em Lucy, mantendo-a presa em seu assento, com medo de sequer respirar.

As crianças saíram de forma organizada, começando pela primeira fileira próxima a porta, enquanto as outras aguardavam em pé ao lado de suas respectivas cadeiras.

— De onde vêm essas dúvidas? – ele perguntou, restando só os dois na sala.

— Só quero saber o que aconteceria, vocês sempre dizem que precisamos esclarecer as dúvidas.

— Sim, mas nunca reparou que você sempre tem mais perguntas que todos os outros?

— Isso é errado? – retrucou.

— Não diria errado. Mas se quiser viver numa sociedade organizada, precisa ter autocontrole.

— Não diria autocontrole.

— Já chega, Lucy. – ralhou. – Vamos começar sua hora antes que seja preciso compactá-la ainda mais.

A garota engoliu em seco, sentindo o nó se formando na garganta e as palavras lutando para sair. Sentia que tudo estava errado, desde as roupas pretas que usavam até a forma de agir dos Adotivos.

O cientista se aproximou, mas ela continuou estática ao lado da cadeira. O corpo parecendo pesado demais para continuar sendo sustentado pelas pernas.

— Deite-se. – ele ordenou.

Seus instintos gritavam para que saísse correndo dali, fugisse do complexo, da consulta, das aulas, da adoção. De tudo. Mas seu cérebro parecia defeituoso o suficiente para apenas obedecer, mandando estímulos para que os joelhos dobrassem e as costas se inclinassem sobre o encosto.

Os dedos estavam gelados e o estômago se contorcia de nervosismo. Deixou que o capacete fosse colocado em sua cabeça e a trava o prendesse em seu rosto por baixo do queixo. Os braços foram puxados e atados nas laterais da cadeira, sem que ela oferecesse resistência.

Queria gritar, mas de nada adiantaria. Deixou que o adulto amarasse também suas pernas e deitasse completamente o encosto, sentiu a cadeira sendo inclinada levemente para trás e o sangue descendo até sua cabeça.

Medidas de aprendizado. Poderia ser aquele o nome que eles davam, mas Lucy as conhecia o suficiente para saber que não havia nenhum aprendizado, apenas punição.

O conector penetrou em seu pulso direto, sem que o líquido anestesiasse a região. Não queria mais gritar, travou a mandíbula e segurou a dor na garganta, sentindo os músculos ardendo e a cabeça inchada pela inclinação.

A cadeira deitou ainda mais, os reflexos pareceram perder velocidade, o pensamento perder o sentido e a dor sentida em câmera lenta.

A dor no pulso aumentou e outro líquido começou a ser injetado através do conector; esse queimava. Seu desejo já não adiantava. Abriu os lábios involuntariamente e deixou o grito escapar.

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⏰ Última atualização: Mar 04, 2018 ⏰

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