Capítulo 4 (terceira parte)

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IV

Deixa eu contar minha história com o Miguel: nos conhecemos na rua, depois de vários dias passando um pelo outro, eu indo para o trabalho e ele indo para a escola. Sim, escola, porque na época ele ainda cursava o último ano do Ensino médio. Nos primeiros dias passávamos despercebidos, depois começamos a nos reconhecer a trocar sorrisos, depois começamos a parar para conversar e assim a coisa foi evoluindo. Como ele é daquele tipo que fala mais do que a boca, sempre animado, foi ele quem tomou a iniciativa de me interceptar e puxar assunto, mas por ele ser tão novo, eu demorei a leva-lo a sério. Mas ele era insistente e depois de algumas tentativas, eu acabei cedendo, saí com ele e quando ele completou dezoito anos, começamos a namorar. E estávamos juntos há quase dois anos.

No começo foi complicado porque a família dele não o aceitava e me hostilizava, mas ele era decidido e em pouco tempo colocou todo mundo em seu devido lugar. Já na faculdade, ele era militante de várias causas, fazia trabalho voluntário e era bem conhecido onde morava, o chamavam de Professor. Seu único defeito era a insegurança e ciúme, e isso causava desentendimentos entre nós. Sabe aquela pessoa que fica se comparando com os outros e fazendo chantagem emocional? Ele vivia me perguntando se eu achava fulano bonito e se não me importava de ele não ser igual, se eu conversasse com algum amigo "padrãozinho" ele ficava chateado, às vezes até chorava. Cheguei a sugerir que ele fizesse um tratamento para isso, mas ele não aceitou. 

Miguel era ruivo, daqueles de cabelos vermelhos e sardas, levemente gordinho, eu o achava bonito, outras pessoas o achavam bonito, mas ele tinha dessas paranoias. Fora isso, ele me fazia bem, era engraçado, safado e companheiro, e reconheço que ele estava se controlando bem nos ciúmes. Mas eu sabia que quando ele se inteirasse da minha súbita amizade com o Igor, logo começariam as crises.

E começou cedo. O Igor, que não usava redes sociais, em questão de dias já me seguia em todos os lugares, curtia e comentava tudo, postou fotos de si mesmo, e como os parentes dele moravam perto da minha casa, era comum encontra-lo na rua, nos comércios, nas barracas de comida da praça, nas rodinhas de amigos em comum. Em apenas três dias o Miguel me ligou perguntando quem era o jogador, de onde eu o conhecia e porque ele parecia tão íntimo, não engolindo bem a onda de cordialidade de alguém cujo nome sequer era mencionado antes.

Calmamente eu disse a ele que Igor e eu havíamos brigado há muito tempo e por isso não nos falávamos, mas que ele estava de viagem marcada para os Estados Unidos (foquei bem nesse detalhe) e então tinha decidido resolver os mal-entendidos do passado. Pra garantir, fui busca-lo na faculdade e o levei para casa, onde conversamos e aparentemente ficamos bem.

Mesmo que a insegurança do Miguel me irritasse às vezes, no caso do Igor eu achei melhor ficar do lado do meu namorado e evitar contato com meu antigo afeto. Coisa que não adiantou muito, pois o Igor parecia mesmo a fim de proximidade e num dia em que eu, Miguel e duas amigas estávamos numa pizzaria, ele apareceu todo cheio de sorrisos e eu não tive outra alternativa senão convida-lo para sentar com a gente. Sorte que o charme dele, misturada com aquela falsa timidez de sempre, fez com que as meninas se interessassem e ele ficou bem ocupado com elas e não teve tempo puxando papo comigo a toda hora.

— Esse poste tinha mesmo que vir aqui hoje? — comentou o Miguel, em voz baixa, mas sorrindo como se estivesse feliz. Desde que o Igor entrou que ele estava assim.

Fiz pouco caso.

— Tá tudo bem, amor. Estamos com as meninas, não era mesmo um programa para dois.

— Ele veio atrás de você, isso sim.

— Bobagem, ele deve estar sem ter o que fazer à noite, sem ter com quem sair. É ruim quando a gente perde o contato com os amigos.

Meu Mais ou Menos Inimigo (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora