Capítulo 5 (segunda parte)

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II


E finalmente chegou o dia de me despedir do Igor. Ele me convidou para ir à casa dele, coisa que eu nunca tinha feito, para passarmos nosso último tempo juntos, pois na madrugada seguinte ele viajaria. Aceitei de bom grado e fui

Aquela semana tinha sido bastante estranha para mim. Apesar de ter voltado a falar com o Miguel, as coisas estavam definitivamente abaladas entre nós, eu queria ficar com ele, mas não queria me afastar do Igor, que me cercava o tempo todo, enquanto o Miguel espalhava indiretas em todos os lugares para quem quisesse ver. Eu não sabia o que sentir, às vezes sentia raiva, às vezes me sentia aliviado pela viagem do Igor estar se aproximando, mas também sentia um aperto no peito por ele estar apenas de passagem na minha vida, como das outras vezes.

Enquanto caminhava as poucas quadras que separavam a casa do pai dele da minha, eu pensava em como ia ser no dia seguinte, como estaria a minha cabeça, os meus sentimentos. O Igor era como o vento na minha vida, foi um furacão destruindo tudo na segunda vez em que passou, foi um vendaval moderado na primeira, e agora era pouco mais do que uma brisa, mas ainda suficiente para causar modificações na minha paisagem.

Ele já me esperava no portão onde dois lances de escada levavam a um apartamento simples, daqueles de sobreloja, espaçoso e com poucos móveis, todos velhos, bem diferente da minha casa, que era pequena e atochada de coisas.

Descobri que o pai do Igor era um homem que eu via com frequência, mas que era tão diferente do filho, a não ser pelos olhos, que eu nunca imaginaria se não me dissessem. O homem de barriga e bigode, não muito alto, de pouca conversa, era dono de um bar que eu costumava frequentar. Ele sorriu para mim da mesma forma como sorria para os clientes do bar, contido e profissional. Conheci a madrasta, pois a mãe o Igor tinha perdido muito cedo, fato que ele havia me contado quando conversávamos por mensagens. Eu sabia também que ele tinha irmãos mais novos, mas que não estavam lá.

Conheci o quarto dele, que tinha apenas uma cama e uma cômoda repleta de coisas velhas, as malas prontas no chão, o notebook sobre uma escrivaninha improvisada, coisa de quem estava apenas de passagem. Ele me mostrou seus diplomas, medalhas, fotos, como eu mesmo já tinha feito, como se fôssemos melhores amigos antes e tivéssemos sido separados por algo muito grande. Mas a verdade é que tínhamos estado, por várias vezes, a poucas ruas de distância, num mesmo bairro interiorano, sem que um quisesse saber do outro, então não era de se culpar o destino.

Naquela noite nos deitamos na cama dele sem nenhum motivo especial, eu não estava pensando em nada e ele parecia disperso, cansado. Bocejava, até. Não fez piadinhas de duplo sentido e eu não me impressionei com sua beleza, não naquele momento. Falávamos de filmes e séries e outras coisas sem importância quando eu, ao tentar me ajeitar no pouco espaço, esbarrei a mão numa parte do corpo dele que não devia. Afastei-a rapidamente e fiquei constrangido, mas ele riu e disse que era normal, que erámos amigos. Mas o fato é que é difícil ser amigo íntimo de alguém com quem já tivemos intimidades no passado, acho que a única pessoa que faria bem esse papel era o Arnaldo, meu arcanjo fake baixista da praça, mas tinha tempos que não o via. Com o Igor, apesar do nosso recente e intenso companheirismo, houve o constrangimento, eu pedi desculpas, ele fez pouco caso, disse que estava tudo bem e me fez deitar novamente.

Aquele toque acidental entre as pernas do Igor me deixou pensativo e alerta: me dei conta de que eu me sentia atraído por ele sim, mas estava faltando um elemento crucial: o tesão. Se seria sempre assim, eu não sabia, se ocorria o mesmo com ele, também não perguntei, mas se fosse, seria interessante, a gente passando horas e horas juntos, apenas para conversar, como irmãos e não como amantes. Difícil seria convencer alguém de que estávamos apenas conversando, mas não custava nada tentar. Fiquei otimista de repente, com a sensação de que eu não estava tão perdido assim.

Meu Mais ou Menos Inimigo (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora