Cinco. Sete. Nove dias haviam se passado desde que a menina tinha deixado seu lar.
Há uns dois tinha ligado para a avó. Disse que estava bem, e que assim continuaria. A velha mulher chorou longos minutos ao telefone, suplicando para que a neta voltasse para casa. Mas a menina havia decidido estar de corpo e alma em sua viajem e não deixaria se prender por coisas do passado. E assim o fez. Ela não se deixou se levar por suas dores e prometeu que, assim que se encontrasse, retornaria. E a vó sabendo que não a teria tão já, a abençoou, e com Deus a mandou caminhar.
A tempos a jovem já sabia o que queria. E quando a coragem apareceu, à agarrou antes que se fosso outra vez. Ela pegou a mochila que a muito tinha preparado, onde esperava debaixo da cama por aquele momento. Em passos e movimentos silênciosos ela desceu a janela de seu quarto, não se atrevendo a sair pela porta da frente. Pulou o muro na calada da noite e em sua bicicleta se foi. Deixou para trás os latidos dos cachorros vizinhos, e logo mais, as luzes da pequena cidade. Pedalou rápido, não se dando chance de olhar para trás.
Mas ela ainda conhecia muito pouco, e não demorou a descobrir que mundo não era nada do que a haviam contado. Se sentiu enganada por isso, mas notou que era porque todos que conhecia sabiam tão pouco quanto ela. Ela nunca tinha saído de lá, eles também não. Uma cidade pequena é linda para se visitar, mas muito triste para se viver.
Em meio a viajem, tinha vezes que não sabia o que fazia ou para onde ía, e nestes momento ela se perguntava o sentido desse sonho. Mas a cada esquina e nova cidade que em sua bicicleta ela domava, sentia que em seu pouco tempo de aventura, aproveitara muito mais que em todos os teus anos parada em um só local. Aquela estrada toda no final sempre recompensava. No silêncio ou na companhia de suas músicas.
Desde muito nova ela associava estradas com liberdade. A sensação a fazia bem. Tanto que havia escolhido a viver no lugar das coisas que era apegada. Em sua mente, não tinha espaço para coisas que não gostava. Mesmo tendo de deixar tudo o que conhecia, todos a quem amava. Largou amizades feitas e lugares que costumava frequentar.
Com o passar dos anos suas ideias só aumentaram. Não entendia as pessoas em suas vidas pacatas. Começou a enchergar a beleza de pôres e nasceres do sol, e sentiu que já não podia vê-los apenas através dos muros de sua casa. Ela difícil aprecia-los pelas pontinhas dos pés. Não conseguia reclamar dos dias de chuva como os outros. Eram escuros, sim, mas eram bons. E mais uma vez escolheu as estradas, e escolheu o vento - o seguindo para onde quer que soprasse seus chamados.
Naquela noite ele viu um campo de flores com uma única árvore mais ao longe. A campina parecia se estender sem fim, sem muros para sua visão atrapalhar. Parou sua bicicleta ao lado da árvore solitária e usou sua mochila como travesseiro para na grama deitar. Já era tarde da madrugada, perto do dia nascer. Em suas costas estava apenas a estradas, com os carros indo e vindo. Cantou uma desconhecida música de ninar que ouvira quando mais nova.
Esperou.
O sol logo apareceu, e com sua chegada foi transformando as cores do céu. Mistura de noite e dia, estrelas e raios solares em uma só paisagem. A exência dela estava ali. Apreciou o crepúsculo acontecer no horizonte. Idas e vindas de cores. E quando tudo já estava bem claro os passáros começaram a acordar, a cantar, a voar. Ela só não tinha asas, mas também era um.
Adormeceu.
Foi um sono sem sonhos, calmo, cheio de paz. Em silêncio desculpou-se com sua avó, pois não voltaria para casa. Não conseguiria, não depois que sentiu o mundo na palma da mão.
Tempo depois começou a abrir lentamente os olhos. O sono a deixara confusa, tanto que não ficou surpresa ao ver o menino em sua frente.
- Não queria assustar. - disse. - Vi você deitada e não sabia se era certo chama-la ou não. Está bem?
- Estou. Não me assustou.
- Otímo. - Ele ofereceu a mão para a menina, que ponderou se deveria aceitar ou não. Decidiu por pega-la, e assim se levantou.
Sorridente ele pegou a mochila do chão, não a dela, mas sua própria. Caminhou até sua bicicleta azul, estacionada não muito longe da bicicleta da menina. Protegeu seu rosto com seu boné.
- Vai para algum lugar? - ele perguntou.
- Não sei ainda.
- Eu também não. - colocou um sorriso no rosto.
- Não seria esperta se aceitasse viajar com um estranho. - admitiu.
- Bom, isso é fácil pra resolver. - divertiu-se o garoto. - Como deveria chamar a estranha?
Ela rio. Olhou para os lados, mesmo sabendo que não encontraria ninguém para reprovar sua falta de cuidado. - Aurora.
- Aurora, sou Arthur. Agora que temos nomes, você vêm? - Ergeu a sombrancelha.
Ela acenou com a cabeça, concordando. Soube ali que sua jornada não seria tão solitária quanto parecera. Montou em sua bicicleta, e acompanhada pelo garoto pegaram a estrada vazia.
Deixou o campo para trás...
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Conto De Liberdade
Short StoryCinco. Sete. Nove dias haviam passado desde que a menina tinha deixado seu lar.