Youngjae segurou o livro mais firmemente entre seus dedos, as pontas ficaram esbranquiçadas por conta disso. Misto Quente de Bukowski não era o primeiro livro que alguém escolheria na feira escolar, mas o garoto tinha carinho pela leitura que ele trazia. Mas nem o grande romancista que era Bukowski iria o salvar daquilo que estava acontecendo consigo fazia uns dias, a ansiedade que o abordava sempre que pensava na última sexta-feira antes das férias — dia atual. Olhou para trás curioso, amedrontado, os corredores da escola continuavam vazios, e que droga! Por que estavam vazios? Youngjae era azarado, mas não entendia como conseguia ser tão azarado assim. Normalmente milhares de alunos cruzariam as portas velhas de madeira, mas de repente tudo estava estranhamente silencioso. Talvez fosse porque era dia 31 de outubro, ou porque o maldito terceiro andar ainda era abandonado e assombrado.
Não se importou, ou fingiu não importar. Continuou seguindo, precisava ir mais rápido.
Apressou o passo de uma vez, o sangue não parecia correr de forma correta para suas pernas. Guardou o livro na bolsa cuja alça cruzava seu peito, o couro desgastado não parecia mais tão seguro assim para abrigar coisas dentro, mas o Choi tampouco se importava com isso. Olhou por cima do ombro novamente, ele jurava ouvir alguém caminhar atrás de si, mas onde estava essa pessoa? A tensão estava o matando por dentro. Passou as mãos pelos fios negros que caíam sobre seus olhos, Youngjae suava frio. O garoto sabia bem que em poucos minutos a escola inteira se apagaria, entretanto não podia ir embora ainda. Park Jinyoung — que tinha índole levemente duvidosa — o desafiara sobre algo, e Youngjae aceitou porque não queria se sentir rebaixado.
Como Lilith, Youngjae não queria ser inferior a ninguém, queria ser igual, mas ele não tinha a intenção de se rebelar tampouco.
Entrou na sala indicada, o terceiro andar nunca parecera tão vazio. Ao fundo, quase se desfazendo em ferrugens, o armário indicado estava com a porta encostada. Deixou sua bolsa em cima de uma das carteiras velhas e seguiu com passos incertos até ele. Lá fora o céu já tinha se tornado anil, Youngjae estava perdendo tempo demais. Abriu o armário e fechou os olhos com medo que algo pulasse sobre si, mas nada aconteceu. Respirou fundo e sorriu quase que aliviado, pegando o livro de capa vermelha que estava dentro do espaço de ferro. Ao virar-se, quase que feliz, contemplou a luz azul.
— Isso tem dono.
Youngjae soltou um grito e fechou os olhos. Não podia olhar nos olhos dele, não podia.
— Está me ouvindo? Esse livro tem dono.
Suplicou.
— Por favor, me deixe ir embora.
O espírito soltou um risinho.
— Deixe meu livro no armário.
Não, Youngjae não podia olhar, ou deixar ou sequer obedecer. Se olhasse, morreria. Se deixasse, viraria motivo de chacota. Se obedecesse, se entregaria para a insanidade. Lentamente seguiu andando, esbarrando nas carteiras. Ele sentia a presença azulada o seguindo, sentia o vento frio em sua nuca. Estava começando a pensar como chegaria ao andar de baixo.
— Ei, aonde vai com o meu livro? Não ouviu o que eu disse antes?
— E-Eu prometo devolvê-lo.
O espírito se agitou.
— Como se eu acreditasse em você.
Youngjae sabia que ele estava o encarando. Não ousou dar um passo para frente, apenas prendeu a respiração e continuou de olhos fechados. A tentação de abri-los, entretanto, era simplesmente insana. Como Medusa faria, o espírito tentava seduzi-lo, mas o Choi não poderia cair nessa. Não queria morrer, não podia, alias. Tinha pegado o exemplar de Bukowski para relê-lo, não podia perder tal chance.
— Abra.
Não, não, não. Youngjae não podia abrir.
Mas queria tanto.
— Devolva meu livro ou abra os olhos e encare os meus.
Algumas garotas mostravam a foto dele no anuário escolar de 1998, ano de morte do garoto. Diziam que era um estudante encantadoramente belo, mas Youngjae nunca tivera a chance de checar por si mesmo. Agora, vários anos depois, a sala D-4 do terceiro andar abandonado era habitada pelo portador da luz azul. Jinyoung e seus amigos já tinham estado na presença deles várias vezes, e agora era a vez de Youngjae. Se ele quisesse entrar no clube do Park precisava trazer o livro vermelho do espírito, mas ninguém nunca disse que era fácil.
— Não vou te matar se colocá-lo de volta no armário.
Youngjae não queria morrer.
— Como posso ter certeza disso?
— Não sei.
Mordeu o lábio inferior. A voz dele era estranhamente convidativa, o que o perturbava mais ainda. Como queria abrir os olhos!
— Você vai me matar.
— Só se você não devolver meu livro.
— Eu preciso dele.
O espírito riu novamente, dessa vez mais debochado.
— Eu também, é a única coisa que seus amiguinhos não me roubaram. Na realidade, o tal Jinyoung às vezes vem me trazer as coisas, mas ele parou recentemente. Você não tem pena de mim não?
O Choi suspirou derrotado, assentindo e recuando a passos lentos, encontrando o armário velho com os pés. Virou-se quase que imediatamente, e deixando o livro vermelho ali respirou fundo.
— Está aqui, feliz? Vou embora.
Youngjae virou-se e deu de cara com um par de olhos negros de brilho azulado. Em cima deles, em baixo de uma das sobrancelhas, tinham duas pintinhas bonitinhas. Os fios escuros caíam um pouco sobre as vistas, a pele era tão pálida quanto o permitido. Ainda usava o uniforme escolar, o vestuário enfatizava o corpo atlético que descrevia o morto. Im Jaebum, 17 anos. Suicídio, mas todo mundo defendia que fora assassinato por um dos professores. Nunca souberam de fato o que aconteceu, mas ele foi jogado, ou se jogou, da janela da sala D-4.
Jaebum sorriu arteiro.
— Boo.
Youngjae desmaiou no mesmo instante. Jaebum não sabia se tinha o matado ou não, nem se importava. Não tinha a intenção de matá-lo, isso já não era suficiente para absorvê-lo de qualquer culpa?
Varreu seus olhos pela sala e avistou a bolsa do humano. Fuçou nela encontrando Misto Quente. Adorava o livro! Sorrindo, sentou-se ao lado do corpo pálido no chão, logo começando a folhear as páginas. Perdeu-se na leitura, um bom tempo depois olhando para o jovem Choi. Sangue saía da cabeça dele, o Im deu de ombros.
— Esse livro é realmente interessante, eu trocava o meu por esse se você tivesse mencionado que trazia um consigo antes. Eu adoro livros, sabia? Quando vivo costumava devora-los, e quando tinha tempo adorava discutir com o professor Jackson sobre eles... Pena que ele e eu não duramos muito.
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Boo!
FanfictionO terceiro andar abandonado da Hongil High School era assombrado, ou pelo menos era isso que o grupinho popular de alunos dizia. Youngjae, como bom bobo influenciado, disse que conseguia facilmente ir até lá e pegar o livro do ex-aluno que fora mort...