— Luna! Acorde, vai se atrasar! - desperto ao som da voz de minha tia vindo lá de baixo, mas ignoro-a voltando a dormir. Minutos depois ouço a porta do meu quarto ser aberta bruscamente - Luna Everfield, levante-se agora dessa cama! - Ordena puxando meu cobertor. Esta é minha tia Lylian, ou como prefiro chamar, tia Lily. Moro com ela desde que me conheço por gente. Ela diz que meus pais morreram num acidente de carro quando era bebê e desde então passei a ouvir seus gritos e reclamações durante exatos dezoito anos. Ela não é tão má, muito pelo contrário, a maior parte do tempo é a melhor tia que eu poderia ter, mesmo com as broncas de vez em quando.
- Hum... Tenho mesmo que ir ao colégio? - Pergunto me levantando ainda sonolenta.
- É sua última semana de aula. Uma semana apenas não vai te matar, vai? - Diz com as mãos na cintura e bufo derrotada.
- Naquele colégio? Sem dúvidas - Digo e noto ela revirar os olhos. Esse era enfim meu último ano naquele lugar, me sinto aliviada ao pensar nisso, é como uma sensação de liberdade.
- Pois é, à propósito quando se arrumar, desça lá na cozinha - Diz abrindo um sorriso largo despertando minha curiosidade. Minha tia não se parece muito comigo, pelo menos fisicamente. Ela é morena, tem a pele mais bronzeada que a minha e seus olhos são castanhos mel, é magra e mais esbelta que eu e ainda aparenta ser bem mais jovem do que é.
- Por que? - Pergunto desconfiada.
- Surpresa! - Diz alegre.
- Ah não, me fala! - Peço.
- Não, não não, não! - se afasta cantarolando e a sigo.
- Por favor! - entro em sua frente e imploro com os olhos com as mãos unidas, até que noto um pouco de farinha de trigo em suas roupas.
- Nada disso, se arrume primeiro e logo vai saber - desvia de mim saindo do quarto.
- Tudo bem, tem toda razão, mas eu tenho a sensação de que talvez seja um algo comestível... um bolo talvez - insinuo sorrindo maliciosa e ela me olha frustrada.
- Como soube? - Pergunta e rio.
- Na próxima vez tente se limpar antes de fazer alguma surpresa.
- Ha ha, como você é hilária, agora se arrume depressa, vamos vamos vamos. - ironiza e gesticula com as mãos me apressando.
- Okay, okay! Já estou indo! - ergo as mãos em forma de redenção e entro no banheiro. Me dispo e todo um breve banho quente. Saio assim que termino de me secar e noto a porta aberta - E de novo ela não fechou a porta - Digo comigo mesma e fecho-a. Vou até meu armário e visto a primeira combinação que achei. Já faz um bom tempo que não me importo mais com que as pessoas vão achar de mim, independente do que eu faça, sempre sentirei que todos me acham uma estranha. Sempre me senti assim desde o fundamental. Talvez seja por conta da minha "individualidade". Nunca tive amigas, ninguém me convidada para comer junto na hora do intervalo, nem nas brincadeiras. Minhas companhias sempre foram os livros, nunca me senti sozinha com eles, era só abrir um livro e tudo ao meu redor desaparecia e me sentia em casa aonde quer que eu estivesse, não demorou muito para eu aceitar que eu poderia viver apenas com os livros, afinal eles seriam as minhas únicas companhias para sempre.
Visto uma camisa de manga longa preta, uma saia xadrez vermelha, noto pela janela que o tempo estava frio e visto um casaco marrom, visto meias pretas e calço meus coturnos. Ponho além do colar que sempre uso uma gargantilha preta. É um colar simples, mas tem um pingente bem detalhado, uma pedra safira envolvida em prata, como se fossem ramos crescendo em volta da pedra. Uso esse colar desde criança, acho que foi meus pais que me deram, nunca soube a origem dele, mas sinto uma conexão muito forte, com se fosse especial. Deixo meus cabelos loiros soltos. Termino e me olho diante o espelho me analisando. Um "nada mal" me veio em mente. Não me sinto feia, mas também não tenho nada a oferecer fisicamente. Sou branca demais, mas não posso reclamar nunca saio de casa e geralmente os dias são bem frios e nublados nessa cidade. Tenho algumas sardas no rosto e meus olhos são verdes claros, tia Lily diz que são iguais aos de minha mãe, um certo orgulho cresce em mim quando ela me diz isso,assim como diz que meus cabelos loiros e ondulados são iguais aos de meu pai. Me recompondo e saio de meu quarto, desço as escadas indo até a cozinha, como tia Lily havia pedido.
- Olha, bem que você poderia fechar a porta quando for sair do meu quarto - Digo até que ela aparece em minha frente com um bolo cheio de velinhas nas mãos me surpreendendo.
- Você estragou a surpresa mas, feliz aniversário! - Diz sorridente e rio.
- Ah, muito obrigada! Mas não precisava, você já faz tanto por mim.
- Pare com essa modéstia falsa, precisava sim, minha pequena está completando dezoito anos, é o mínimo que eu deveria fazer - Diz apertando minha bochecha esquerda e rio desconfortável - Agora, será que pode acender as velas? - Diz me olhando sugestiva e entendo o que quis dizer.
- Claro - Digo e faço um movimento por cima do bolo e as velhinhas acendem. Essa é a tal da minha "individualidade", mas prefiro chamar de magia. Não sou a única que consegue fazer isso, minha tia também é esse é o nosso segredo, ela já tem mais domínio nisso do que eu que consigo fazer coisas pequenas como acender velas e levitar pequenos objetos. Ela nunca me explicou direito como conseguimos fazer isso, apenas que é um dom de família, mas eu tenho certeza que tem muita coisa além disso e a minha esperança é que agora, com os meus dezoito anos ela possa me contar sobre tudo, principalmente sobre o que aconteceu com meus pais.
- Parabéns pra você, nesta data querida... - Minha tia começa a cantar e enrubeço envergonhada - Muitas felicidades, muitos anos de vida! Viva a Luna! - Diz e rio balançando a cabeça e assopro as velinhas.
- Obrigada, agora podemos comer? - Digo um tanto apressada. quanto mais rápido eu for para aquele colégio mais rápido sairei de lá.
- Nada disso, isso foi apenas uma pequena cerimônia, só depois do colégio.
- Vamos, só um pedaço por favor, tia...
- Nem pensar, já está muito atrasada, ande. Depois poderá comer até não aguentar mais - Diz e bufo derrotada.
- Tudo bem, obrigada mesmo assim - Digo a abraçando.
- De nada, querida - Retribui o abraço e nos soltamos.
- Bom, já vou indo - vou até a porta de casa abrindo a mesma.
- Tudo bem. Ah, quando voltar, vou lhe dar seu presente - Diz atiçando minha curiosidade novamente.
- Outro? Já não fez o bolo?
- Ora, por favor me respeite, acha que eu sou mulher de dar bolo como um presente? - Diz com certa indignação rio.
- De forma alguma, vou voltar morrendo de curiosidade - Digo e ela ri - Tchau! - Aceno saído de casa.
- Tchau! Tome cuidado! - Acena de volta e fecho a porta iniciando meu caminho até o colégio, ele ficava só algumas quadras aqui. Durante o caminho eu tentava adivinhar que presente que minha tia me daria desejando que fosse um livro novo ou quem sabe uma aquarela nova.
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Lithea - Lembranças De Outra Vida [REVISÃO]
RomanceNo nobre ato de abrir mão de sua vida como membro da realeza para proteger seu povo, Luna Everfield é enviada para terra, sem ter qualquer memória de sua vida passada, na tentativa de mantê-la segura enquanto uma longa e devastadora guerra ocorria e...