Diz - se que, certa vez, o mundo andou consertado e a bondade passou a imperar. Todos eram bons uns com os outros, a corrupção praticamente era um problema do passado, a mentira era lembrada como um fato abjeto e os preconceitos - todos - haviam sido extintos.
Nunca o mundo havia sido um lugar tão agradável e feliz.
Assim, era de se esperar que o Paraíso estivesse cheio e filas e mais filas se formavam por quilômetros em frente aos enormes portões dourados do Céu. E ninguém reclamava da demora: com bastante tempo livre que o pós vida garantia, todos mundo se comprazia em esperar sua vez na fila. Era um lugar para se fazer amigos, relembrar a vida terrena e, quem sabe, contar e aprender anedotas.
No entanto, à medida que os negócios celestes prosperavam, a quentura infernal minguava a olhas vistos.
Observando tristemente as chamas que já se aproximavam de serem braseiros, dada sua absoluta falta de uso, o Demônio reclamava para seu assessor, Diogo - um diabinho com experiência política - sobre a pasmaceira que estava aquele lugar:
- Veja bem, Diogo...um dia esse lugar já foi bem movimentado, bem frequentado...aqui era quente, animado! Tudo embalado pelo doce som estridente de almas penadas gritando pela eternidade, clamando misericórdia. E eu! Eu significava alguma coisa! Tinha o papel fundamental de atormentar essas almas perdidas! E como era divertido...- o Demônio olhava para frente, perdido em pensamentos.
Diogo olhou ao redor. O lugar estava mais vazio que repartição pública em dia de feriado nacional.
As atendentes, que antes recebiam rudemente aqueles que, em vida, mereceram conhecer o Inferno ao passarem para o outro lado do mistério e que se responsabilizavam por avisar cada um que chegava que para ingressar no Inferno, todos deveriam apresentar um formulário em cinco vias, todas assinadas, acompanhadas de documentação que comprovava que aos 3 anos e meio, haviam recebido uma determinada vacina, estavam lixando as longas unhas.
- Bem, senhor Chifrudo...- começou o assistente, olhando com cupidez para o chefe - sempre se pode modificar a abordagem com o cliente. Sabe, o apelo que o Inferno tinha perdeu muito de seu encanto. Antes, éramos o lugar para onde iam aqueles que viviam intensamente a vida na terra. Aqueles que não temiam a morte e, por isso mesmo, pecavam felizes, sem se preocuparem com o que haveria depois de comerem grama pela raiz.
Diogo continuou:
- Os glutões, por exemplo. Antes, vinham aos montes! O senhor se lembra? - O Demônio acenou com a cabeça, melancólico - Tínhamos até dificuldade em arranjar lugar para eles, porque eles não ligavam a mínima para a saúde. Queriam aproveitar o tempo em vida, comiam de tudo e largamente. Um dia, pá- pum...uma dor no peito, uma coxa de galinha na mão esquerda, a mão direita sobre o peito e et voilá! Num piscar de olhas estavam de frente para uma de nossas atendentes, a coxa de galinha ainda na mão, a boca lustrosa de gordura e na outra mão, um de nossos formulários! Hoje, com a onda de vegetarianismo - Diogo olhou para cima, revirando os olhos, com uma careta de desdém - nem matar um bichinho para comer se pode mais.
O Demônio parecia interessado. Diogo avançou:
- Agora, senhor Tinhoso, todo mundo se preocupa com a saúde, o pessoal vai na academia, malha, come bem e dorme ainda melhor. Evitam doces - Diogo elencava o que não se podia comer mais com os dedinhos curtos - , bebidas, gordura, glúten, sódio, lactose, cafeína, carboidrato, embutidos, refrigerante - Por quê? - comida enlatada, alimentos transgênicos, enfim...não se pode comer mais nada! E se não comem, não pecam...e sem pecado, não há Inferno que resista.
- Você tem razão! Não temos mais o mesmo prestigio de antes. Acho que está na hora de diversificarmos os negócios, tentar uma aproximação diferenciada com os clientes. Mas antes de decidir qualquer coisa, preciso falar com Ele.
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A propaganda é a arma do negócio
HumorE se o Diabo resolvesse fazer propaganda do Inferno?