Onde eu estou?

57 8 16
                                    

Eu acho que as pessoas perdem tempo demais, elas perdem tempo com seu sofrimento, e com isso fazem os outros perder tempo também. Sofrer? Todo mundo sofre, mas cabe a você decidir tornar seu sofrimento um cubo de gelo pequeno ou um iceberg.
Eu, como todos vocês também sofro. Sofro por bons motivos (a fome que aflige pessoas mundo a fora) e por motivos banais (não conseguir entender a linha do tempo de x-man). Eu não tenho uma vida perfeita, na verdade eu tenho uma vida bem lascada, mas e daí, quem liga? Ninguém. E eu também não me importo muito. Acho que meus problemas são só meus, não preciso ficar compartilhando com as outras pessoas, elas já tem seus próprios problemas.

Eu não lembro de contar meus problemas para alguém, além desse meu caderninho preto e desgastado. Mas acho que ele não se importa de ser meu único depósito de lamúrias.
Enfim, eu guardo meus problemas por que, acho que eles não precisam ser divulgados em minhas redes sociais como se fossem um produto a venda.

Mas no final das contas  porque mesmo eu comecei a escrever sobre isso? Bom, nem me lembro, mas é uma boa constatação… e porque mesmo que eu estou escrevendo nesse caderno? Também não sei… talvez porque eu serei um grande escritor no futuro e estou aqui treinando minhas habilidades, ou então porque eu sou um adolescente sem vida social cujo os melhores amigos são um gato e um caderno…
Eu prefiro a primeira alternativa…
Depois dessa última constatação sobre minha vida social (ou melhor, a falta dela), volto para aquela antiga questão, os problemas… eu não sei qual é o meu maior problema, mas tenho algumas alternativas: 1)me sinto um estranho no ninho; 2)a prisão de ventre de Lex(o gato); 3)a minha prisão de ventre.
Acho que a número 1 é a mais relevante. Sim, parece clichê, mas eu me sinto um "estranho no ninho". Sabe aquela sensação de não saber exatamente aonde está? E nem ao menos lembrar em que ponto se perdeu? Bom, eu me sinto assim desde que posso me lembrar.
Então, é tipo isso, é como se eu fosse uma ovelha que se distanciou demais do rebanho, acabou se perdendo e agora caminha com cabras.
Eu sou totalmente o oposto do "adolescente modelo" sim, eu sou o oposto do adolescente modelo bom e do adolescente modelo ruim (usei a mesmas expressão vezes demais em uma frase… ah, foda-se) isso parece esquisito, mas é verdade. Eu não espero que você me entenda, seria pedir demais, quando nem eu sou capaz de fazer isso. É difícil de explicar, mas irei tentar: eu tenho opiniões diferentes das da maioria; eu não entendo como o cérebro das pessoas pode funcionar de uma maneira tão tosca; eu pergunto demais, e me assusto com as respostas; eu não pretendo manter nenhum tipo de relação com ninguém; eu não gosto de estar perto de outras pessoas (e ter que interagir com elas)…
Essas são algumas das minhas "coisas estranhas". São todas irrelevantes… ao longo do tempo você vai entender melhor… espero…

Então, lembra daquele lance da ovelha? De estar perdido? Então, eu sinto isso frequentemente. Eu sempre estou metaforicamente perdido, mas o pior é se perder literalmente, fisicamente! É, isso aconteceu comigo uns dias atrás, eu vou contar mais ou menos como foi…

Se perder é normal, acontece com todo mundo, pelo menos uma vez… mas se perder em um lugar que você conhece perfeitamente, um lugar pequeno que você frequenta desde a infância? Você tem que ser muito retardado para que isso aconteça contigo… bom, aconteceu comigo.
Eu estava ali, andando por aquele shopping que eu frequento desde que aprendi andar, e de repente… eu não me lembrava que lugar era aquele "onde eu tô, como eu vim parar aqui?" Era essa a pergunta que ecoava em minha mente. Eu entrei em desespero, não reconhecia nada, aquelas paredes de vidro; as escadas rolantes que não funcionam; o banco torto; a máquina de sorvete velha; a muda de planta em um belo jarro… eu nunca vi nada disso! Eu não sabia como sair dali, eu queria gritar por socorro, mas não tinha a quem chamar e nem o que gritar… então comecei a ficar tonto, me apoiei  em uma parede, os barulhos começaram a se distanciar, algumas pessoas se aproximaram de mim, minha vista escureceu…
***
Quando finalmente abro meus olhos, estou em um cômodo totalmente  branco "eu tô no céu? Sério, o céu existe? Ah, eu vim parar no céu, não isso não é possível, mano, será que Deus tá por aí?"
Eu estava convicto de que aquele lugar era o céu, o que era estranho já que eu nunca acreditei que existisse um "céu"/paraíso.
Mas minha certeza sobre estar no céu acabou quando olhei para o lado e vi um rosto conhecido com feições bem humanas.

–Mãe?Que lugar é esse?–eu perguntei ainda tonto

–Um quarto de hospital, Paulo, você desmaiou e te troux…–dizia mamãe quando foi interrompida pelo barulho da porta sendo aberta

–Olá, então você acordou, Paulo–Indagou o homem de branco entrando na sala

O que eu queria responder:

"não, acordei não, tô dormindo de olho aberto!"

O que eu realmente respondi:

–Sim, o senhor é o médico…posso deduzir…

–Sim, sou. Muito prazer, meu nome é Renam–estendeu a mão para mim em forma de saudação.

Enquanto nós apertávamos as mãos, minha mãe olhou para o médico por alguns segundos e depois disse:

–Então doutor, o que aconteceu com meu filho?

–Ainda não sabemos exatamente. Não tem nada de errado com os exames dele, seu filho aparenta estar normal.

Os dois passaram um longo minuto falando sobre minha saúde…

–Vocês podem por favor explicar o que aconteceu comigo e como eu vim parar aqui?–eu perguntei impaciente em ver os dois falando sobre mim como se eu não estivesse ali.

–Você estava no shopping e do nada começou a cambalear e sussurrar pedindo socorro, dizendo que não sabia onde estava, o que é muito estranho. Depois disso você desmaiou e as pessoas te trouxeram até aqui!–disse mamãe com a mão sobre minha cabeça como se medisse minha temperatura

–Eu desmaiei? Estranho, não me lembro disso, só lembro da tontura.

"Droga, eu sempre quis desmaiar e agora que aconteceu eu não me lembro de qual é a sensação. Merda!"

–É normal, filho, as pessoas não lembram do "pré desmaio"!

–Sim, não lembram do "pré desmaio". Mas antes disso, Paulo, antes de se sentir tonto, você lembra de algo?

–Sim, me lembro de estar perdido.

–Perdido no shopping, filho, tem certeza?

–Sim, mãe. Eu sei que é meio absurdo. Eu sei que já fui naquele shopping 1 bilhão de vezes, mas agora eu não me lembro nem se quer da faixada dele. É como se ele[o shopping] tivesse sido deletado do meu HD interno. Isso é normal, doutor?–eu disse em um tom de desespero.

–Mais ou menos. Me diga, algo mais foi apagado de seu "HD"?

–Não sei, acho que não.

–Então vamos fazer um teste rápido, meu caro paciente…

Eu assenti com a cabeça.

–Vou lhe perguntar algumas coisas para testar sua memória.

Assenti novamente

–Qual é seu nome?

O que eu queria dizer:

"Sério isso? Puta pergunta besta!"

O que eu realmente disse:

–Paulo Abrantes.

–Que dia é hoje?

–28 de outubro.

–Quem é o atual presidente da Venezuela?

"Pronto agora é quis de conhecimentos gerais" eu pensei…

–Nicolás Maduro.

–Qual é o nome do seu melhor amigo?

–Lex!

Minha mãe deu uma risada ao ouvir minha resposta.
O médico olhou para ela com um semblante de estranheza.

–É o gato de estimação dele!–disse mamãe ao perceber o olhar do médico.
***
–Bem, parece estar tudo ótimo com você Paulo. Não sei o que pode ter causado seu lapso de memória. Você lembra de… não sei, ter batido de cabeça em algum lugar?

–Não nos últimos 8 anos.

–Então a duvida continua no ar. Mas você já está de alta. Pode ir para casa, mas preciso que venha denovo amanhã para mais alguns exames.

Eu concordei, o médico se despediu…
Logo eu e mamãe fomos para casa.

E assim começa a minha saga de desmemoriado!

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: May 05, 2018 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Viver ou esquecer?Onde histórias criam vida. Descubra agora